A pandemia de Covid-19 que tem abalado o mundo também causou grandes consequências no esporte. A mais impactante está no adiamento da Olimpíada e Paralimpíada de Tóquio 2020, no Japão, que estava programado para ocorrer entre 24 de julho e 9 de agosto deste ano e passou para o período de 23 de julho a 8 de agosto de 2021. Essa é a quarta vez na história que os Jogos Olímpicos sofrem algum tipo de interferência, mas a primeira vez que é adiada. Anteriormente, eles foram cancelados em 1916, 1940 e 1944 por causa das duas grandes Guerras Mundiais: a Primeira Guerra (1914-1918) e a Segunda Guerra (1939-1945).
O adiamento da Olimpíada foi confirmado no dia 24 de março pelo primeiro ministro do Japão Abe Shinzo. O acordo foi feito entre a autoridade japonesa e o Comitê Olímpico Internacional (COI), entidade esportiva máxima responsável pela organização da competição.
“Na circunstância presente, e baseados na informação providenciada pela Organização Mundial da Saúde, o presidente do COI e o primeiro-ministro do Japão concluíram que os Jogos da 32ª Olimpíada em Tóquio devem ser reagendados para uma data para além de 2020, mas não depois do verão de 2021, para garantir a saúde de atletas, todos envolvidos nos Jogos e a comunidade internacional”, disse o COI, em comunicado oficial.
Com a mudança, os atletas que se prepararam por quatro anos e que já estavam classificados para os Jogos tiveram que reavaliar e mudar a rotina para preservar o nível. Outros que disputavam competições eliminatórias precisam manter o foco para garantir sua vaga em Tóquio. Conforme o cenário, o Portal A TARDE entrevistougrandes referências do esporte baiano para saber qual o impacto e desafio após o adiamento e a alteração do planejamento decorrente da pandemia do novo coronavírus.
Maratona Aquática
“Sigo focada e realizando minhas atividades, reinventando formas de me exercitar. Reuni imediatamente com minha equipe multidisciplinar e meu técnico refez todo o programa de modo a estender esse período sem alterar nenhuma ação prevista para o último ano antes da minha prova nas Olimpíadas”, contou a nadadora baiana Ana Marcela.
Ana Marcela se classificou para os Jogos Olímpicos em julho do ano passado ao ficar em lugar na prova de 10 km da Maratona Aquática no Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de Gwangju, na Coreia do Sul. A nadadora comentou os impactos causados com o adiamento da competição. “São milhares de situações particulares geradas com o adiamento, para cada atleta um impacto diferente. Como já estou classificada, não tenho qualquer preocupação a mais”, disse.
Como garantiu a vaga de maneira antecipada para as Olimpíadas, Ana Marcela esperava sair na frente de algumas concorrentes por ter mais tempo de preparação. Questionada em relação à mudança no seu calendário, a baiana afirmou já haver um reposicionamento e reiterou que não existe um sentimento de “frustração”.
“Apenas reposicionamos o período que iniciamos em janeiro/2020 para janeiro/2021 e acrescentamos algumas ações para o corrente ano, sem dificuldades. Não existe frustração já estamos pensando que o próximo ciclo olímpico será mais intenso, pois terá duração de 3 anos (2021-2024)”, explicou Ana Marcela, que já pensa nas Olimpíadas de 2024, que acontecerá em Paris, na França.
Ela falou em foco e disciplina na luta pela sua primeira medalha olímpica. “Eu, minha equipe multidisciplinar, meu clube Unisanta, a Marinha do Brasil (da qual faço parte) e meus patrocinadores estamos unidos com o objetivo maior de conquistar uma medalha olímpica. Temos que pensar um dia de cada vez, passo a passo, com foco, disciplina e a certeza que estamos dando o melhor de nós para obtermos sucesso”, pontuou.
Canoagem
Não é somente nadando em mar aberto que a Bahia e o Brasil seguem bem representados na Olimpíada. Com um retrospecto bastante favorável, que inclui medalhas de ouro e prata nos Pan-Americanos de Guadalajara, Toronto e Lima (2011, 2015 e 2019, respectivamente) e prata na Rio 2016, os baianos Erlon Souza e Isaquias Queiroz já vem há um bom tempo mostrando todas as suas forças na canoagem.
Apesar do transtorno, pode se dizer que a dupla vive uma situação relativamente confortável. Os últimos resultados conquistados durante o Mundial de Szeged, na Hungria, em 2019, com destaque para o ouro no C1 1000m e o bronze no C2 1000m, garantiram com sobra a dupla na Olimpíada de Tóquio, agora em 2021. Além de já estarem classificados, a dupla não precisou remodelar tanto assim o treinamento que já vinha sendo feito.
Enquanto muitos atletas precisaram se adaptar a rotina em casa, eles continuam realizando seus treinos diários em águas particulares, na cidade de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Como o local de suporte fica dentro de uma Base da Polícia Militar mineira, Erlon e Isaquias não tem contato com pessoas externas. Apenas entre si, o técnico Lauro de Souza Jr e com outra dupla de jovens da equipe que têm treinado com eles.
“Estamos nos virando como podemos […] Diminuímos o ritmo dos treinamentos, e em breve vamos subir de novo conforme estivermos próximos da disputa, os nossos treinos estão contínuos, não vejo como um ano perdido. Já estamos trabalhando para melhorar o ciclo, tivemos campeonatos cancelados que seriam preparatórios neste ano. Zerou para todo mundo e todos nós atletas estamos no mesmo barco”, afirmou Erlon Souza.
Em nota, a Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) afirmou que todo o suporte tem sido prestado de modo que não seja afetado a rotina e a sincronia dos atletas da seleção brasileira. “A academia também foi transferida para o local onde os canoístas moram, um condomínio com três casas, todas ocupadas por eles e também membros da equipe técnica”.
Questionado sobre a expectativa para os Jogos após o adiamento, Erlon preferiu manter o otimismo e afirmou que o melhor é neste momento é poder competir tendo a garantia de que irá voltar para casa com segurança.
“Se for olhar como um todo, achei muito bom (o adiamento). Vamos estar tranquilos em sair do nosso país sabendo que voltaremos pra casa com saúde. Um evento como esse, com pessoas do mundo inteiro… seria muito ruim pensar que poderíamos pegar essa doença. Pensando na preparação, a gente estava a mil e, querendo ou não, quebra um pouco o ritmo. Mas o mundo inteiro está no mesmo barco e não é algo que vai nos prejudicar, vamos estar de igual para igual. Agora é olhar para 2021 e se preparar da melhor forma possível”, concluiu.
Boxe
O pugilista baiano Robson Conceição, medalha de ouro na Rio-2016, o primeiro do boxe brasileiro na história, aprovou a mudança de data das Olimpíadas. Robson também disputou os Jogos Olímpicos de Pequim-2008 e Londres-2012, em ambas foi derrotado na luta de estreia.
“Devido o momento, foi uma escolha acertada. Assim como eu, a grande maioria dos atletas concorda com o adiamento pela dificuldade em conseguir treinar, se deslocar, praticar exercícios na academia ou ao ar livre. Os atletas não chegariam agora em 2020 no seu melhor momento técnico e físico, bem preparados. Não iríamos ver lutas em um bom nível. Com o adiamento eles estarão mais preparados para competir”, afirmou o pugilista.
Robson que, após largar o esporte olímpico e ingressar no boxe profissional, venceu 13 das 13 lutas que disputou nesta nova fase, passou por uma cirurgia na mão depois de uma série de lesões e não sobe ao ringue desde junho de 2019, quando bateu o mexicano Carlos Ruiz pelo Top Rank. Ele voltaria a lutar em março deste ano, em São Paulo, mas a luta foi cancelada devido à pandemia de Covid-19. Em Salvador, o pugilista segue sua rotina de treinos em sua própria casa.
“Os atletas são obrigados a ficar em casa, parar de treinar e de se deslocar devido a quarentena. Eu vou me virando, faço improvisos na cobertura de casa, tenho alguns materiais de treino que utilizo para continuar me exercitando. Vou fazendo algumas adaptações para seguir treinando dentro de casa”, relatou Robson.
O pugilista acredita que o adiamento da competição foi a melhor decisão a ser tomada pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) pensando nos atletas e no público que acompanharia os jogos. “Creio que para grande maioria, a sensação é de que o devido cuidado com a saúde e com os próximos foi tomado. Somos atletas, mas não podemos pensar somente em nós. Se os jogos acontecessem seria algo prejudicial para o público presente. O adiamento foi o melhor. Espero que no ano que vem todos estejam devidamente preparados para representar bem o esporte”, falou.
Momento de reflexão
Nos últimos anos, o Brasil tem aparecido com uma grande geração de lutadores que tem tido a responsabilidade de reerguer o boxe nacional. Nomes como Robson Conceição, os irmãos Falcão, Bia Ferreira, entre muitos outros, tem feito a alegria dos torcedores dentro dos ringues nas mais diversas competições.
Antes de toda a confusão gerada pelo coronavírus, a soteropolitana de 27 anos relatou à reportagem do Portal A TARDE sobre sua expectativa pela vaga no evento esportivo mais importante do mundo. Na ocasião, Bia Ferreira vinha de um 2019 invicto, além de um ouro no Pan-Americano de Lima, no Peru, e o título do Mundial de Boxe, na Rússia.
“Não só esse ano, mas desde 2017 que eu venho em uma trajetória de um cartel positivo. Muito feliz com esses resultados, mas sei que tudo isso não viria fácil se eu não me dedicasse e lutasse tanto para conquistar as coisas que almejo. É muito bom ver meu amadurecimento no esporte, a facilidade de conseguir controlar o aspecto emocional, que é o ponto alto de um atleta. Estou muito feliz e espero que ano que vem seja ainda melhor”, disse a lutadora.
Um dos grandes responsáveis nessa carreira de sucesso que Bia vem traçando é seu pai e treinador, Raimundo Ferreira. Questionado sobre os impactos que o adiamento das Olimpíadas poderia gerar na carreira da lutadora, ele falou que apesar da quebra no excelente ritmo que ela vinha tendo, o mais importante está em pensar na saúde.
“Estávamos em um ótimo momento, ganhando várias competições e isso acaba dando uma esfriada. Estamos nos preparando há um bom tempo, porque é a maior competição do mundo. No entanto, o mais importante é pensar na saúde dos atletas. A Bia ainda é nova, está indo muito bem e a tendência é que chegue ainda mais madura. Essa situação acaba afetando aos mais experientes, alguns seriam a última competição e talvez não tenham a chance de competir”, avaliou.
Referência no Brasil e no mundo, o mestre Luiz Dórea possui em seu currículo trabalhos com diversos campeões, como Acelino Popó e Robson Conceição, além de diversos nomes do MMA. Atualmente, o professor da academia Champion vinha preparando os atletas da seleção brasileira Joel Silva, Hebert Conceição e a própria Bia Ferreira para a disputa do Pré-Olímpico. Além desses, ainda tinham Edson Araújo e Gleisiele Gomes como suplentes.
“Vamos ter que fazer uma nova planificação para poder recomeçar o trabalho e os atletas chegarem daqui a um ano no ápice da sua forma física e técnica. Esse intervalo não vai interferir em nada no rendimento dos atletas. A equipe brasileira é muito jovem […] Nós orientamos que eles permaneçam em casa, evitem sair, cuidem da parte física, tenham uma boa alimentação, cuidado com o peso e fazendo treinamento físico e técnico, não podemos zerar”, garantiu Dórea.
O baiano ainda fez uma breve projeção sobre a expectativa para os Jogos em 2021 e falou sobre a preparação mental dos lutadores. “Infelizmente não sabemos como a doença vai desenvolver até o ano que vem. Vamos torcer para que seja controlado o mais rápido possível e tudo volte ao normal. Existe a tristeza pelo adiamento, mas os atletas estão bem psicologicamente. Agora, o momento é de reflexão e cuidado para em 2021 buscar as medalhas olímpicas”. Informações Informaçõesçõ do Portal A Tarde.