O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) recurso contra liminar concedida pelo ministro Edson Fachin no Habeas Corpus 188.820/DF, que concedeu progressão antecipada da pena, prisão domiciliar ou liberdade provisória a presos dos grupos de risco da covid-19. A decisão em habeas corpus coletivo ajuizado pela Defensoria Pública da União (DPU) vale para todas as pessoas presas em locais acima de sua capacidade, que sejam dos grupos de risco e que não tenham praticado crimes com violência ou grave ameaça. No agravo regimental, o PGR afirma que a decisão viola o princípio da individualização da pena, além de trazer potenciais riscos para a sociedade. Ele também recorreu da decisão do ministro Fachin que determinou a realização de audiência de custódia para todos os tipos de prisão, não somente para as prisões em flagrante, na Reclamação 29303/RJ, ajuizada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
A liminar no habeas corpus coletivo que determina a soltura de presos do grupo de risco foi concedida pelo relator em 17 de dezembro. No agravo, Aras alerta que, apesar de o processo ter sido protocolado em julho e haver despacho solicitando manifestação do MPF, os autos eletrônicos chegaram à PGR somente no dia 17 deste mês, depois da concessão da cautelar. Assim, a Procuradoria-Geral da República teve acesso ao processo pela primeira vez nessa quinta-feira e não pôde se manifestar antecipadamente.
O PGR lembra que as medidas para a contenção da covid-19 no sistema carcerário brasileiro estão previstas na Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que traz orientações para que os juízes concedam progressão de regime ou prisão domiciliar para presos do grupo de risco, detalhando as hipóteses em que o benefício é possível. De acordo com o PGR, a DPU alegou que há resistências na aplicação da norma por parte do Judiciário, mas não conseguiu demonstrar, de forma individualizada e fundamentada, quais juízos teriam deixado de atender à recomendação. Aras lembra que não é possível impetrar habeas corpus contra autoridade indeterminada como foi o caso, até pela dificuldade em se obter informações.
O habeas corpus cita alguns precedentes do STJ relativos à questão, em que direito dos presos teria sido negado. No entanto, segundo Aras, o Tribunal apenas analisou os casos concretos e decidiu que, naquelas situações, as pessoas não faziam jus ao benefício. O PGR afirma que o STJ, com base na Recomendação 62/2020, determinou a soltura de todos os presos do país que tiveram liberdade condicionada ao pagamento de fiança e de quem estava preso por inadimplência em pagamento de pensão alimentícia. Segundo Aras, o STJ tem se mostrado sensível à situação dos presos na pandemia e a conduta da Corte não pode ser questionada, o que afasta a competência do STF.
Análise individual – O procurador-geral defende que os pedidos de soltura devem ser analisados de forma individual, e não coletiva, como já decidiu o Supremo em julgamento anterior. “Os pedidos de soltura ou progressão de regime hão de ser analisados de forma individual, sem fórmulas ou regras generalizantes, como pretende a DPU, sob pena de violação ao princípio da individualização da pena”. Ele cita dados do Depen revelando que a taxa de mortalidade por covid-19 no sistema prisional brasileiro é inferior à de países como Canadá, Estados Unidos, Argentina e Bolívia.
Segundo o PGR, além do direito dos presos à saúde, é preciso considerar os direitos dos cidadãos em liberdade, o direito fundamental à segurança pública e o direito das vítimas. Ele afirma que, entre outros problemas, não haveria como garantir que, uma vez soltos, os presos respeitariam as medidas de contenção da covid-19, como distanciamento social e uso de máscara. Para o PGR, a decisão liminar, se mantida, “oferece risco de lesão grave à ordem e à segurança pública”. Por isso, a decisão deve ser revista e anulada.
Audiências de custódia – Outro agravo regimental enviado ao STF nesta sexta-feira questiona decisão do ministro Edson Fachin na Reclamação 29303/RJ, determinando a todo o Sistema de Justiça a realização, em 24 horas, de audiência de custódia em todas as modalidades prisionais. Para o ministro relator, as regras para prisão foram alteradas pela Lei 13.964/2019, que modificou a redação do art. 287 do Código de Processo Penal. Com isso, o CPP passou a prever a apresentação do preso ao juiz que tiver expedido o mandado se a prisão for feita sem a exibição do documento. Para Augusto Aras, no entanto, essa alteração não determina a realização da audiência de custódia para todos os tipos de prisão.
O PGR explica que as audiências de custódia decorrem do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347-MC, que reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário brasileiro. Na ocasião, foi instituída a obrigatoriedade da audiência de custódia para prisões em flagrante, em atenção ao disposto no Pacto de Direitos Humanos e na Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Aras lembra que o objetivo da audiência é permitir a apreciação do ato de prisão por um magistrado. Segundo o PGR, a medida é desnecessária se a prisão já tiver sido decretada de forma fundamentada por um juiz, com a expedição de mandado. Assim, ela é indicada apenas para prisões em flagrante, quando não há expedição da ordem de prisão nem análise prévia por qualquer juiz. Ele lembra que o STF tem vários precedentes reconhecendo a legalidade de prisões preventivas efetuadas sem a realização de audiência de custódia.
Segundo o PGR, no momento atual, a ampliação das hipóteses de realização da audiência de custódia iria onerar ainda mais “um Sistema de Justiça com limitada capacidade de ação, em decorrência das restrições impostas pelo enfrentamento da epidemia da covid-19”. O cumprimento da decisão demandaria a mobilização imediata de contingente de pessoal muito grande, em instalações ainda despreparadas para receber tantas pessoas ao mesmo tempo. A medida traz o risco de agravamento da crise sanitária, “terminaria por reduzir o quadro de magistrados e servidores aptos a desempenhar suas funções a contento, reduzindo os já parcos recursos humanos e financeiros disponíveis e tendo efeito contrário ao pretendido”, conclui o PGR. MPF.