Casos de violência extrema contra crianças não são isolados; saiba identificar os sinais

O caso do menino Henry Borel, 4 anos, morto no Rio de Janeiro, cujas investigações seguem em curso e apontam para uma situação extrema de violência familiar, está longe de ser isolado. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, entre os 159 mil registros do Disque 100 (Direitos Humanos), em 2019, 86,8 mil foram relacionados à violação de direitos da criança e do adolescente, um crescimento de 14% em relação ao ano anterior. A Sociedade Brasileira de Pediatria apontou que, entre 2010 e agosto de 2020, cerca de 2 mil vítimas fatais de agressão tinham menos de quatro anos de idade.

Seja física (uso da força de forma não acidental), psicológica (rejeição, isolamento, criação de expectativas irreais ou extremadas) ou ainda verbal e psicológica (constante depreciação, diminuição da autoestima), a violência pode ser identificada em situações de abandono e/ou a negligência dos cuidados; quando se é testemunha de violência intrafamiliar ou se presencia situações de violência entre os pais, contra a mãe ou membros da família; além de exploração infantil e a violência sexual.

O fato é que todos os casos podem ser identificados por meio de sinais apresentados pela vítima. Declínio no rendimento escolar, mudanças no padrão de alimentação que levam à bulimia ou à anorexia, alterações no sono, dificuldades de socialização e outras mudanças repentinas e drásticas de comportamento podem ser apenas algumas das manifestações visíveis apresentadas pela criança. Isso sem falar nos sinais físicos dessa violência, muitas vezes confundidos com quedas e outros acidentes.

Coordenadora da Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a defensora pública estadual Gisele Aguiar destaca que é importante estar atento aos sinais e aos comportamentos manifestados pela criança nos respectivos casos. Segundo Gisele, das 64 mil denúncias de violências contra crianças e adolescentes recebidas pelo Disque 100 em 2020, 70% aconteceram no ambiente doméstico e 63,2% foram cometidas pelos próprios pais das vítimas.

“Nós precisamos falar e estar atentos à voz da criança e do adolescente. Não podemos apenas discutir esta questão quando existem casos de grande repercussão e quando as crianças já estão mortas, pois todas elas deram sinais de que havia algo errado. Também não podemos apenas falar sobre as punições, porque a parte criminal será encaminhada junto a quem foi omisso com a criança, mas o importante é que todos os casos poderiam ter sido evitados”, afirmou a Gisele Aguiar.

A Defensoria Pública do Estado da Bahia desenvolve diversos trabalhos de prevenção e de educação em direitos, sendo uma das primeiras ferramentas a cartilha “Violência contra a criança: não deixe acontecer na sua casa”, desenvolvida a partir dos atendimentos realizados na Especializada, também com a defensora pública Laíssa Rocha. O trabalho envolve atuar junto à sociedade para que a criança e o adolescente sejam reconhecidos como sujeitos de direitos, cujos pensamentos e posicionamentos devem ser observados de acordo com as peculiaridades de cada idade.

“Com a divulgação do trabalho da Defensoria, começaram a chegar cada vez mais casos. Há uma cultura de que criança é objeto ou propriedade de pai e mãe. Então, mudar a mentalidade da sociedade para mostrar que, hoje, uma criança é sujeito de direitos e que a sua integridade física é de responsabilidade de todos não é algo imediato, leva um certo tempo”, destacou a defensora.

Quando há indícios de violência, toda a família precisa de atendimento e passa a ser assistida pelo sistema de saúde, inclusive com atendimento psicossocial pelo município, assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Há dois fluxos de atendimento nestes casos: o primeiro envolve a destituição ou a suspensão do poder familiar e, o segundo, que proporciona a orientação jurídica para as famílias.

Psicóloga do Núcleo de Apoio Psicossocial – NAP da Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carolina Rebouças explica que o NAP acompanha, atualmente, mais de 40 casos e que há um mapeamento da rede de apoio e suporte à vítima. “Nosso objetivo enquanto NAP não é realizar terapia, mas compreender e buscar por meios jurídicos, psicológicos e sociais garantir seus os direitos e sua proteção. Para isso, buscamos dispositivos como o Centro Especializado de Assistência Social, o Centro de Referência de Assistência Social, o Centro de Atenção Psicossocial, entre outros”, afirma Carolina.

Nestas situações, o psicólogo desempenha um papel de mediador dos diretos da criança, sendo necessário conhecer a legislação vigente, bem como as questões teóricas e técnicas em busca do fortalecimento de práticas e de espaços de debate. É imprescindível que o psicólogo trabalhe sob a perspectiva de que a criança e o adolescente precisam das políticas sociais básicas para a garantia da proteção integral, fundamental para o seu desenvolvimento.

“O profissional deve considerar a experiência vivenciada e a tensão psíquica a ela vinculada. A sua atitude frente aos fatos apresentados não pode ser julgadora ou punitiva, deve estabelecer uma relação de confiança, a qual alicerçará o acompanhamento. A criança precisa sentir-se respeitada incondicionalmente, devendo sua maneira de se expressar, e até mesmo o seu silêncio, serem compreendidos”, explicou a psicóloga.

Carolina destaca ainda que o silêncio da criança costuma ser um “poderoso aliado” do agressor, o qual é potencializado por sentimentos como o medo, a vergonha, ou a culpa.

“É esse silêncio que faz com que se torne difícil a intervenção. No entanto, para se chegar às raízes do problema da violência doméstica é necessário modificar esse mito de família, enquanto instituição intocável, para que os atos violentos ocorridos no contexto familiar não permaneçam no silêncio, mas sejam denunciados a autoridades competentes a fim de que se possam tomar providências”, finalizou. Informações da Defensoria Pública da Bahia.