Tendência econômica que ganhou força nos Estados Unidos em 2021 –, espalhou-se por países da Ásia, como China e Japão, e hoje corre o mundo –, aos poucos, começa a mostrar a cara no Brasil. Intitulado de “A grande renúncia”, o movimento consiste em um número cada vez maior de trabalhadores pedindo demissão.
Sinal de que as relações também não vão bem por aqui é que março bateu recorde. Foram 603 mil desligamentos voluntários, ou 33% do total de demitidos (1,8 milhão) no período, apontou levantamento da LCA Consultores, com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do governo federal.
Os EUA chegaram a registrar 4 milhões de demissionados por mês no ano passado. A coisa virou moda entre os jovens por lá, com a publicação de vídeos do momento do comunicado ao chefe, acompanhados da frase “eu me demito”.
Motivos para um trabalhador largar um emprego, todavia, são muitos. Longas jornadas, baixos salários; tempo e combustível gastos com deslocamento, trânsito; metas abusivas, chefe sem escrúpulos, falta de perspectivas.
Especialistas ouvidos A TARDE contam que uma parcela grande de profissionais vem despertando para o que eles chamam de “esgotamento do trabalho”, e que as empresas precisam repensar o modelo de atuação.
“É um misto de coisas, não há uma única explicação. Já era uma tendência antes da pandemia, e a crise sanitária acelerou essas mudanças. Foi um momento de disrupção, onde ficou mais evidente toda a insatisfação do trabalhador para com o sistema”, diz o mentor em vida e carreira, Tadeu Ferreet.
No consultório de Ferreet, o número de atendimentos (mentorados) cresceu cerca de 50% no último ano. O trabalho dele é orientar quem quer “crescer” na carreira, ou fazer uma transição.
Segundo ele, o número de pedidos de demissão só não é maior devido a “medos e crenças”. E também com relação às circunstâncias, já que no Brasil existem mais de 12 milhões de pessoas procurando emprego. Daí que uma grande maioria opta por empreender e montar o próprio negócio, ressalta Ferret.
“O novo faz com que as pessoas tenham muito medo, mas essas são crenças limitantes, transmitidas por outros, e que diz respeito a risco, à questão da carteira assinada, da estabilidade financeira, de que é preciso ser aprovado em um concurso público. Mas o gasto de energia deve ser com a busca pela satisfação, realização pessoal, com fazer algo que efetivamente faça sentido (para cada um)”.
Efeito da pandemia
“A pandemia levou às pessoas a reavaliarem a própria vida. Tem muita gente buscando um novo trabalho, mudando de trajetória, experimentando novas formações, áreas. Gente trabalhando com eventos, fotografia, vendas online, alimentação”.
Dados da Junta Comercial da Bahia mostram que, em 2021, o número de novas empresas cresceu 80%.
Designer de produtos, mestra em educação, Patrícia Oliveira, 39, é uma das que aproveitou a oportunidade (pandemia) para, de uma só vez, pedir demissão do emprego e lançar a própria marca, a Pupila Personalizados. De instrutora (professora) em disciplinas ligadas à tecnologia no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), ela passou a produzir, em casa, papelaria e artigos decorativos para festa infantis.
Com mais tempo para a filha de quatro anos, Patrícia conta que até tomar a decisão, em julho de 2020, passou por muito estresse, com direito a “todos os medos passando pela cabeça”.
“Eu já tinha vontade de empreender, mas o medo me dominava. Então fui fazendo as duas coisas ao mesmo tempo. O mais importante é se organizar antes da decisão, formar uma reserva financeira, se preparar”.
“Não que trabalhar em casa seja fácil, há muita interferência, porém ganhos. Não tem mais trânsito, transporte público, algumas despesas. E amanhã, por exemplo (na última quinta-feira), é o meu aniversário. Eu já avisei os clientes, fiz toda a minha programação em família. Isso por si só já é um presente”, fala.
Diretora de relacionamento na seccional baiana da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Daniela Facchinetti destaca que, se antes o perfil de trabalhadores pedindo dispensa era em sua maioria do nível operacional, “agora estão pedindo as contas profissionais com mais qualificação”. Os motivos, segundo Daniela, são os altos índices de adoecimento, e casos de depressão.
“Muita gente decidiu já a partir da pandemia. E agora na retomada, depois de experimentar o home office, ter de voltar ao presencial, com os custos excessivos com combustível, tempo, as pessoas passaram a questionar: se na pandemia o trabalho pôde ser remoto, por que o presencial?”, diz.
“Mas mesmo podendo, as empresas não querem ceder. Preferem permanecer naquela cultura arraigada, que não privilegia a inovação, só restando ao trabalhador procurar outras organizações. São poucas as empresas que olham o profissional com cuidado, que oferecem flexibilidade e autonomia. Por isso os pedidos de demissão”.
Professora de psicologia na Unifacs, Fernanda Machado fala que “o trabalho é central em todas as fases da vida”. E que na pandemia, “com tantas perdas, a qualidade de vida passou a falar mais alto, e as pessoas se perguntaram: faz sentido trabalhar tanto? Consumir tanto?”. “Foi aí que se colocou uma lupa sobre essa questão, e o lugar do trabalho e suas configurações passaram a ser questionados”, diz Fernanda. Informações do Portal A Tarde.