Jovem denuncia violência obstétrica durante o parto em hospital na Bahia

Foto: Arquivo pessoal

A técnica de saúde bucal Kaila Conceição denunciou ter sofrido violência obstétrica, quando deu à luz a sua primeira filha, Maryna Vitória, em fevereiro do ano passado, na cidade de Entre Rios, a cerca de 140 km de Salvador. Passados quase 1 ano e 5 meses, ela ainda não carregou e nem mesmo conseguiu amamentar a menina.

“Eu sempre quis ser mãe, mas não foi uma gravidez planejada. Mesmo assim fiz todo o acompanhamento certo, fui muito responsável e vem um profissional e quase acaba com a minha vida”, disse a jovem, que tem 23 anos.

De acordo com Kaila Conceição, o caso aconteceu em 4 de fevereiro de 2021, no Hospital Municipal Edgar Santos, em Entre Rios. Ela mora no distrito de Subauma, no município, e foi para a unidade na esperança de ser regulada para uma maternidade.

Kaila Conceição contou que para que a filha Maryna Vitória nascesse, um dos médicos da unidade cortou, sem a autorização dela, o canal entre seu ânus e a vagina. A prática é chamada de episiotomia, que consiste em um corte cirúrgico feito na região do períneo feminino com a justificativa de facilitar o período chamado de expulsivo no trabalho de parto.

Além disso, segundo Kaila Conceição, o médico teria feito a manobra de Kristeller, técnica que pressiona a parte superior do útero para acelerar a saída do bebê, não recomendada pelo Ministério da Saúde. Na ação, a jovem diz que o médico chegou a ficar com o corpo em cima dela.

“Ele me examinou várias vezes, fez vários toques dolorosos, disse que eu estava com 2 cm de dilatação, mas que eu não ia demorar para eu parir. Horas depois, um enfermeiro disse que eu estava com 6 cm e foi quando começou o procedimento”, disse a jovem.

Mulher denuncia violência obstétrica em hospital da Bahia — Foto: Arquivo Pessoal
Mulher denuncia violência obstétrica em hospital da Bahia — Foto: Arquivo Pessoal

O caso foi registrado na Delegacia Territorial (DT) de Entre Rios, ainda em fevereiro do ano passado. O inquérito foi concluído e remetido para o Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Em nota, o MP-BA informou que acompanha o caso. Conforme o órgão, o inquérito policial foi recebido, mas investigações complementares foram solicitadas à Polícia Civil.

O Ministério Público informou ainda que aguarda o recebimento das informações para adoção das providências cabíveis.

A advogada da mãe de Maryna Vitória, Mônica Santana, afirmou que o profissional responsável pelo parto de Kaila Conceição é alvo de um processo ético disciplina do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb).

“O delegado indiciou o médico por lesões corporais e o Ministério Público deve enquadrar também como violência obstétrica, que foi o que aconteceu. Nós estamos aguardando o MP oferecer a denúncia para o Judiciário”, explicou Mônica Santana.

Questionado sobre o processo aberto, o Conselho Regional informou ao g1que “não faz análises nem presta mais informações sobre um possível processo ético, tendo em vista que se houver, o mesmo corre em sigilo”.

O g1 tentou contato com o médico e com o Hospital Municipal Edgar Santos, mas não conseguiu até a última atualização desta reportagem.

‘Minha filha ainda não foi amamentada’

Kaila durante cirurgia em hospital de Salvador — Foto: Arquivo Pessoal
Kaila durante cirurgia em hospital de Salvador — Foto: Arquivo Pessoal

Atualmente, mais de 1 ano e 5 meses após o parto, Kaila Conceição conta que ainda não amamentou a filha, nem mesmo conseguiu carregá-la. As ações, que ela sonhava fazer no dia 4 de fevereiro de 2021, foram proibidas por recomendação médica.

“Eu não consigo carregá-la, porque ela é muito pesada. Desde que nasceu, Maryna é cuidada pela minha mãe”, desabafou a jovem.

“Tudo que eu passo agora é justamente pelo parto. Eu tinha uma vida saudável e agora estou impossibilitada de seguir a minha vida”, salientou.

Após o parto, Kaila Conceição precisou retornar três vezes ao centro cirúrgico do Hospital da Mulher, em Salvador. O primeiro procedimento foi o de colostomia, realizado dias após o nascimento de Maryna.

Kaila Conceição contou que a colostomia precisou ser feita, porque um buraco foi aberto entre a bexiga e vagina dela e as fezes começaram a escapar pelo canal vaginal. A situação exigiu o uso da bolsa de colostomia, para a eliminação dessas fezes.

As outras duas cirurgias foram de reconstrução do trânsito intestinal e, reparação do cólon.

‘Não aguentava mais de dor’

Mulher denuncia violência obstétrica em hospital da Bahia — Foto: Arquivo Pessoal
mulher denuncia violência obstétrica em hospital da Bahia — Foto: Arquivo Pessoal

Ao chegar no hospital, Kaila Conceição contou que foi informada pelo médico, que tinha apenas 2 cm de dilatação. Ela foi orientada a aguardar, porque existia a expectativa do parto acontecer naquele mesmo dia.

Horas depois, a jovem foi avaliada por um enfermeiro, que contou que ela ainda não estava preparada para o parto, pois tinha 6 cm de dilatação. A medida está abaixo da fase de transição do trabalho de parto, que é dos 8 aos 10 cm de dilatação.

“Minha mãe não foi autorizada a acompanhar o parto e eu fiquei sozinha na sala”, disse.

Kaila Conceição contou que o médico que fez os cortes e subiu na barriga dela, também dava muitos gritos na sala do parto. “Bem impaciente, sentou no banco, disse que era pra colocar força. Começou a me cortar, abrindo meu ânus”.

“A primeira vez que ele me cortou foi com anestesia. Coloquei mais força e a minha filha coroou”, relatou a jovem.

O coroamento ocorre quando a parte mais larga da cabeça do bebê passa através da abertura da vagina.

“Eu falava para ele que não tinha mais forças. Ele subiu na minha barriga, empurrou e minha filha saiu toda roxa, sem chorar”, lembrou.

De acordo com Kaila Conceição, a bebê foi colocada sobre a barriga dela. Ao tentar tocar na filha, ela ouviu gritos do médico.

“Ele me gritou falando para eu não tocar na minha filha. Depois, mandou colocar ela [Maryna] no oxigênio e só assim que eu comecei a ouvir o choro dela, bem fraquinho”, disse.

A técnica em saúde bucal ainda se recorda que, durante o parto, o enfermeiro que falou que a dilatação dela estava em 6 cm, entrou na sala e se ofereceu ao médico, para ajudar no procedimento. No entanto, o profissional foi expulso do local.

“Ele chamou o enfermeiro de muito engraçadinho e disse que ninguém ali estava precisando de ajuda”.

As reclamações foram além do momento do parto. Kaila Conceição conta que sentiu muitas dores no momento em que o médico fazia a sutura do corte.

“Ele começou a me suturar sem anestesia e eu gritei que não aguentava mais de dor. Depois disso, eu não lembro mais de nada, apaguei e minha mãe achou que eu estava morta”, afirmou a jovem.

Kaila Conceição conta que, minutos depois, acordou confusa, com o médico sobre ela e novamente com gritos: “Acorde logo, acorde”.

“Quando acordei, ele saiu da sala e depois apareceu na porta. Ele perguntou se estava bem, eu fiz o sinal de que estava mais ou menos e ele saiu, não fez nada”, afirmou.

Casos na Bahia

Entre 2018 e 2022, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) instaurou 14 sindicâncias para apurar denúncias de assédio sexual. Desse total, de acordo com o órgão, uma encontra-se em fase de diligências, cinco foram arquivadas por ausência de provas e oito resultaram em Processos Ético-Profissionais (PEP’s) para apuração de infração ética.

Nesse mesmo período, foram julgados 12 PEP’s sobre a referida temática, envolvendo 13 médicos.

Do total de profissionais julgados, nove foram absolvidos (em um dos casos de absolvição a denunciante recorreu da decisão ao Conselho Federal de Medicina) e dois tiveram a decisão de cassação do exercício profissional, ainda não aplicadas por causa da interposição de recurso.

Ocorreram também duas penalidades públicas: uma de censura pública em publicação oficial e outra de suspensão do exercício profissional por 30 dias. Ambas foram aplicadas pelo Cremeb.

Fonte: G1 Bahia