Enquanto o mundo está preocupado com as chamas que avançam sobre a Amazônia, o problema das queimadas na Bahia é com o bioma do Cerrado, de predominância na região Oeste. É nesta área que estão concentrados a maior parte dos focos de incêndio registrados pelo Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. De acordo com os registros, de 1º de janeiro até ontem, os satélites do Inpe constataram, na Bahia, 31.877 focos de incêndio, o que corresponde a 41,7% das ocorrências de 2018, quando houve 76.264 focos.
É importante destacar que focos de queimada não correspondem necessariamente a uma queimada. Uma queimada pode gerar múltiplos focos e, além disso, cada foco pode ser detectado mais de uma vez já que o monitoramento é feito por mais de um satélite, o que termina gerando repetição de dados. Na Bahia, além do oeste, as queimadas ocorrem também na área da Chapada Diamantina. Nesta, sobretudo, no Verão, quando a região recebe turistas de várias partes do Brasil e do mundo.
Relatório do Inpe sobre o monitoramento de focos de queimadas no bioma Cerrado no Brasil, do dia 21 de agosto, apontou que os satélites detectaram 392 focos de um total de 1.181 focos em outros biomas do território nacional. Na Bahia, foram localizados focos em Formosa do Rio Preto (14 focos), Riachão das Neves (5), São Desidério (3), Coribe (3), Buritirama (2), Cocos (2), Sebastião Laranjeiras (2) e Catolândia (1).
O Inpe não dá detalhes sobre se os focos de incêndios ocorrem mais em áreas ambientais protegidas ou em propriedades rurais. A Secretaria de Meio Ambiente da Bahia (Sema) informou que “em termos de quantitativo de área queimada no estado, ainda não há produção consolidada destes dados por quaisquer órgãos estaduais ou federais”. Procurado para comentar os dados do Inpe e informar sobre ações relativas as queimadas na Bahia, o Ministério do Meio Ambiente o Inema não responderam.
Gerazeiros
Na região oeste da Bahia é comum a realização de queimadas controladas por parte de populações tradicionais chamadas “gerazeiros” (das Serras dos Gerais) e por agricultores, numa técnica de manejo do solo conhecida como coivara.
De julho a dezembro, as queimadas controladas são proibidas pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Inema), órgão ambiental estadual. A proibição ocorre porque esta época do ano é a mais propícia para o alastramento do fogo. O período mais crítico é entre setembro e outubro.
Os incêndios de grandes proporções mais recentes na região oeste ocorreram semana passada nas serras do Mimo e da Bandeira, em Barreiras, maior cidade da região, que faz parte do Matopiba, composta por áreas do Cerrado do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Os incêndios nas serras do Mimo e da Bandeira ocorreram entre segunda e quarta-feira passada. O prejuízo maior foi na Serra da Bandeira, onde uma área equivalente a 250 campos de futebol foi destruída pelo fogo, segundo o Corpo de Bombeiros. Na Serra do Mimo, as chamas consumiram três hectares.
Vegetação
Pesquisador do Cerrado baiano, o geógrafo Valney Dias Rigonato, do Departamento de Geografia da Universidade Federa do Oeste da Bahia (Ufob), em Barreiras, disse que o problema maior na região está sendo com relação às autorizações de supressão de vegetação por parte do Inema.
Conforme o publicado no Diário Oficial do Estado, o Inema autorizou a produtores rurais, entre 2015 até maio de 2019, a supressão de uma área de vegetação equivalente a mais de 330 mil campos de futebol. Geralmente, os produtores rurais usam a mata da supressão vegetal para fazer a coivara. “É preciso entender que a questão do fogo do Cerrado é consequência, muitas vezes, do desmatamento legalizado, da supressão de vegetação que é liberada pelo Estado da Bahia. Recentemente, foi liberada a supressão de vegetação em uma área de 24 mil hectares em Formosa do Rio Preto”, disse Rigonato.
De acordo com ele, as queimadas na região oeste são influenciadas pelo aumento das temperaturas e do efeito estufa, fenômeno provocado pela concentração de gás-carbônico em um só local. Ao conectar as queimadas da Amazônia, que colocaram o Brasil no centro das atenções mundiais, com as queimadas no bioma Cerrado, Rigovato disse que “com a supressão de vegetação amazônica haverá um impacto no regime de chuvas no oeste baiano”.
“O que garante as precipitações nas áreas de maiores índices pluviométricos do oeste é a massa equatorial continental, que vem da Amazônia. Então, é preciso pensar os biomas brasileiros de forma integrada para garantir a sustentabilidade”.
Produtores do Oeste participam de força-tarefa
Presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), o produtor rural Celestino Zanela disse que a entidade faz parte de uma força tarefa montada por órgãos ambientais e pelo subcomitê de prevenção e combate a incêndios florestais da região oeste da Bahia para intensificar as ações do Programa Bahia Sem Fogo, no período de estiagem sazonal, de junho a setembro.
Zanela informou que Aiba mantém todos os seus canais atualizados com informações e dicas capazes de evitar ou, ao menos, reduzir a incidência de incêndios florestais na região. Para tanto, a entidade conta com o auxílio das ferramentas de monitoramento do Inpe.
“Estamos monitorando o tempo todo os focos, mas têm algumas situações que podem sair do controle. Ninguém aqui tem interesse em destruir o meio ambiente, ao contrário, estamos buscando preservar. Atuamos nessa força tarefa de forma voluntariada, sem que recebamos para isso”, declarou Zanela.
Segundo a diretora de Meio Ambiente da Aiba, Alessandra Chaves, os dados levantados via satélite pelo Inpe permitem a análise e previsão sobre o risco de ocorrência de incêndios através de imagens e mapas, identificando, assim, as áreas com focos de calor. Com isso, é possível adotar medidas preventivas ou de combate.
O risco de fogo é calculado através da análise de algumas variáveis, a exemplo da precipitação pluviométrica diária (mm/dia), temperatura do ar (°C) e a baixa umidade relativa (%). A precipitação pluviométrica é o componente de maior importância, sendo obtida a partir das estimativas de precipitação geradas pela Divisão de Satélites Ambientais do Inpe. De posso desses dados, é possível alimentar o sistema e informar a população.
“A intenção é alertar e prevenir a ocorrência de queimadas, de modo a reduzir os impactos ambientais e econômicos, tanto em áreas com vegetação nativa preservando a fauna e flora, quanto nas áreas de produção, além de ajudar indiretamente com a redução dos efeitos na saúde da população, sobretudo de doenças respiratórias”, comentou.
A Aiba disponibiliza os mapas de riscos de fogo aos seus associados, através de mailing interno. Já o público externo tem acesso às informações publicadas no site da associação, na seção “Clima”.
Alessandra Chaves falou que a população deve ter cuidados para prevenir que haja ocorrências de incêndios. Segundo ela, durante o período crítico é importante evitar qualquer situação que possa desencadear incêndios.
“Isso não quer dizer proibição do uso do fogo. Em casos de necessidade em propriedade rural, por exemplo, é obrigatória a Declaração de Queimada Controlada (DQC), conforme prevê a legislação. Além disso, alguns cuidados como treinamento das brigadas para combate, manutenção de aceiros; informar aos vizinhos a data e o horário da prática; atenção à direção do vento e à temperatura”, afirmou.
Alessandra também lembrou que o responsável por provocar incêndio poderá ser punido, conforme previsto na Lei de Crimes Ambientais. As penalidades vão desde a reclusão, que varia de seis meses a quatro anos; à aplicação de multa, cujos valores variam de acordo com a gravidade da infração cometida, podendo chegar a R$ 50 milhões. As autuações podem ser feitas em área rural ou urbana, e realizadas por órgãos federais, estaduais e municipais.
Procurado para comentar os dados do Inpe e informar sobre ações relativas as queimadas na Bahia, o Ministério do Meio Ambiente o Inema não responderam ao CORREIO.
Agricultores baianos querem desvincular imagem do agro das queimadas
Num comunicado conjunto, agricultores do oeste da Bahia, representados pela Aiba e pela Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), “rechaçam toda e qualquer prática ilegal capaz de colocar em risco a integridade do meio ambiente, como a que vem ocorrendo na Amazônia”.
“A agricultura praticada no oeste da Bahia não dá margem ao erro. Nossos agricultores são responsáveis e sabem disso, pela conservação do seu maior patrimônio: a terra. Cuidar de forma adequada dessa terra é o real compromisso da categoria . São eles os responsáveis por conservar mais de 60% das áreas associadas às lavouras do Oeste, número superior aos 20% exigidos pela criteriosa legislação ambiental de nosso País”, diz o comunicado.
Portanto, afirmam as entidades, “associar queimadas na Amazônia com a prática da agricultura séria e comprometida com o social e o meio ambiente é um afronta. ”Os agricultores do oeste da Bahia, informa o comunicado, investiram R$ 11 bilhões com preservação ambiental, “dados que mostram que os nossos associados integram a classe de agricultores responsáveis existente no Brasil, cujo investimento total foi de R$ 2 trilhões em práticas seguras de conservação do meio ambiente no País”.
“Não pagar tão alto preço, como erroneamente está sendo colocado. A agricultura responsável jamais colocaria em risco o nosso maior e mais cobiçado patrimônio, a Amazônia”, afirma a nota.
As associações reiteram que o processo produtivo de grãos e fibras na região oeste da Bahia obedece a critérios de sustentabilidade, comprovados pela adoção de práticas conservacionistas de solo e de água.
Para as entidades, que juntas representam cerca de três mil agricultores baianos, o desafio do produtor rural tem sido produzir em quantidade e qualidade suficiente para garantir a segurança alimentar do mundo. Por isso, “a categoria tem investido em modelos de agricultura sustentável, com vistas em aumentar a produtividade e diminuir o impacto sobre os recursos naturais.”
O agricultor do oeste da Bahia, segundo o comunicado, preserva 64% de mata nativa, além de investir em tecnologia para aumentar a produtividade e desenvolver projetos de sustentabilidade, como o Soja Plus e o Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), que na safra 2017/2018 certificou como sustentável 77,7% da área plantada com algodão.
“Dessa forma, a Aiba e Abapa rebatem tais acusações e apelam para que a sociedade brasileira evite a propagação das mesmas, disseminando dados equivocados e que podem colocar em risco conquistas alcançadas durantes longos anos, com muito custo e exaustivo trabalho por parte de homens e mulheres que movem o setor agrícola. Não há espaço para o retrocesso. O agricultor ético, responsável e comprometido exige e merece respeito.”
Governo da Bahia prevê R$ 6,7 milhões para ações de combate a incêndios
O Governo da Bahia anunciou nesta segunda-feira (26) que para este ano estão previstos investimentos de R$ 6,7 milhões para as ações de prevenção e combate do programa Bahia Sem Fogo. Destes recursos, já foram executados R$ 2,5 milhões em contratação de aeronaves airtractor, com lançamentos de água de bambi bucket (bolsa que carrega água) para combate aos incêndios, e R$ 300 mil para capacitação de brigadas voluntárias, realizada pelos bombeiros militares.
Também serão investidos cerca de R$ 1,8 milhão para aquisição de Equipamentos de Proteção Individual e Coletiva (EPI/EPC), R$ 215 mil para compra de fardamento para os brigadistas voluntários, e aproximadamente R$ 1 milhão para apoio logístico no combate aos incêndios florestais.
Em maio deste ano, a Organização Não Governamental (ONG) SOS Mata Atlântica divulgou os dados de desmatamento do bioma Mata Atlântica no Estado da Bahia e indicou uma redução em área desmatada de 51% em relação ao levantamento anterior (2017-2018).
Em 2018, o mesmo levantamento da ONG com dados referentes aos anos de 2016-2017, indicou uma redução em área desmatada de 67% em relação ao levantamento anterior.
Na avaliação do Governo do Estado, “os dados divulgados pela SOS Mata Atlântica reforçam o compromisso do Governo da Bahia no combate ao desmatamento no estado que, com as ações de combate do programa Bahia sem Fogo, e por meio das constantes operações realizadas pelo Inema, busca atingir o nível zero em termos de desmatamento”.
Programa
O Programa Bahia Sem Fogo foi criado há dez anos, junto com um comitê de ação que envolve entidades públicas e privadas e ONGs, com o objetivo de prevenir e combater os incêndios florestais no território baiano, com vistas a diminuir a emissão de gases do efeito estufa, proteger a biodiversidade e preservar a vida e a saúde das populações.
As instituições envolvidas realizam ações de gestão (via Grupo de Trabalho e Subcomitês da Chapada Diamantina e Oeste Baiano), de prevenção (como capacitações e cursos para formação de brigadistas voluntários), além do combate aos incêndios florestais, cujo principal ator é o Corpo de Bombeiros, com imprescindível apoio das brigadas voluntárias.
O Inema mantém uma equipe de técnicos especialistas em geoprocessamento para levantamento de dados de decremento de vegetação e planejamento de operações de fiscalização, também em conjunto com outros órgãos, para inibir as ações de destruição da mata atlântica.
Por meio da Coordenação de Tecnologia da Informação e Comunicação (COTIC), o Inema desenvolveu o projeto Harpia, sistema que utiliza uma metodologia que contempla a coleta semanal de imagens de satélite com uma resolução compatível com a escala do monitoramento necessário para a Mata Atlântica.
As imagens são analisadas por um robô para detectar áreas com supressão de vegetação nativa. Posteriormente, a equipe técnica do Instituto realiza uma auditoria do resultado e seleciona as áreas por meio de pontos georreferenciados que subsidiam as ações de fiscalizações planejadas.
É constituído crime ambiental desmatar, provocar incêndio em mata ou floresta, extrair, cortar ou utilizar para fins comerciais a madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal sem autorização devida, defendida pela lei federal 9.605/98. O cidadão que deseja registrar denúncias de crimes ambientais deve entrar em contato com o disque denuncia do Inema através do número 0800 071 1400. As informações são do Jornal Correio.