A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) anunciou nesta segunda-feira (26), a condenação do Brasil pelas mortes e violações de direitos humanos dos trabalhadores de uma fábrica de fogos, em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano. A tragédia, que deixou 64 pessoas mortas, aconteceu no dia 11 de dezembro de 1998.
O caso ganhou destaque em todo o país, e expôs as precárias condições de trabalho às quais as vítimas eram expostas. Dos 64 trabalhadores mortos na explosão, 63 eram mulheres. A única vítima do sexo masculino era uma criança de 11 anos de idade.
Dentre as vítimas havia 22 crianças e adolescentes, com idades entre 11 e 17 anos, a maioria era negra. Dos 57 atestados de óbito juntados ao processo, 49 eram de pessoas negras, 3 brancas, e 6 sem identificação. Quatro mulheres grávidas e três nascituros também foram vítimas da explosão.
Segundo informações da Justiça Global e o Movimento 11 de Dezembro, representantes das vítimas no caso, a decisão foi proferida no dia 15 de julho de 2020, durante o 135º Período Ordinário de Sessões, mas só hoje foi tornada pública. Para a Corte, as vítimas “se encontravam em situação de pobreza estrutural e eram, em amplíssima maioria, mulheres e meninas afrodescendentes, quatro delas estavam grávidas e não dispunham de nenhuma alternativa econômica senão aceitar um trabalho perigoso em condições de exploração”.
De acordo com Raphaela Lopes, advogada da Justiça Global, trata-se de um precedente histórico. “Esta condenação é histórica e paradigmática para casos envolvendo discriminação de gênero e raça e sua relação com situações de pobreza. É o reconhecimento internacional da responsabilidade dos Estados de adotar medidas para proteger pessoas atravessadas por uma discriminação estrutural e interseccional”, afirma.
Em conversa com o BNews, a advogada explicou que a Corte determinou o cumprimento de algumas medidas por parte do Estado brasileiro, entre elas, a continuidade dos processos de reparação civil e criminal – mesmo já tendo passado mais de 20 anos do caso -, condenação dos responsáveis, pedido de desculpas públicas , tratamento médico e psicológico das vítimas e familiares, divulgação das sentença nas rádios e tvs, e pagamento de indenização.
“A gente vai fazendo esse monitoramento e o não comprimento constrange o país a nível internacional. É algo que os países não querem pra si, eles querem ser conhecidos como países que respeitam os Direitos Humanos, geralmente os estados são rápidos no pagamento de indenização, mas demoram mais para implementar políticas públicas”, disse Raphaela.
Relembre o caso
No dia 11 de dezembro de 1998, uma das fábricas, que funcionava na Fazenda Joeirana, na zona rural, explodiu causando a morte de 64 pessoas. Outras seis vítimas tiveram ferimentos graves, com queimaduras de 3º grau em 70% do corpo, mas sobreviveram.
Na época, por conta do número insuficiente de ambulâncias para atendimento, os moradores assumiram o resgate e o transporte das vítimas até a capital, a cerca de a 190 km de distância. Segundo a Justiça Global, apesar de possuir registro junto ao Exército, a fábrica operava há anos fora dos padrões exigidos pelas normativas internas.
A perícia da Polícia Civil constatou que a explosão foi causada pela “falta de segurança vigente no local, não somente em relação ao armazenamento dos propulsores e acessórios explosivos”.
Ainda de acordo com a ONG, a explosão da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus resultou em quatro processos judiciais, nas áreas cível, criminal, trabalhista e administrativa, contudo, segue pendente a responsabilização trabalhista, criminal e cível pelos danos causados às trabalhadoras e seus familiares. Informações do Bnews.