Camaçari: Justiça baiana pede suspensão de processo contra morto em Barra do Jacuípe

Foto: Reprodução

Parece que Fernando Arcela Dantas está mais perto de limpar sua barra aqui na terra e buscar o descanso eterno no paraíso. Que Deus o tenha. Após matéria publicada no CORREIO no último domingo (3), que explicava que a Associação dos Moradores J e K do Loteamento Vale da Landirana, em Barra de Jacuípe, Camaçari, entrou na Justiça cobrando taxas condominiais do Sr. Fernando, morto há mais de seis anos, uma juíza titular da 2ª Vara do Sistema de Juizados da Comarca de Camaçari suspendeu o processo e solicitou que o mesmo seja encaminhado para o Núcleo de Combate às Fraudes do Sistema dos Juizados Especiais (Nucof), Coordenação dos Juizados Especiais do Estado da Bahia – COJE, OAB e Ministério Público do Estado para verificação de “eventuais irregularidades nos autos”, como costa no documento. 

Segundo o despacho, “foi noticiado a este juízo, e a muitas outras pessoas, já que houve publicação nas mídias locais, de que a parte acionada deste processo (FERNANDO ARCELA DANTAS) faleceu antes mesmo da distribuição desta demanda (…). Em que pese não existir nos autos nenhuma prova desse fato nem a intervenção de qualquer interessado (inventariante ou herdeiros), a notícia não pode passar despercebida, notadamente diante das narrativas da matéria publicada”, descreveu a 2ª vara.

O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia agora quer saber como um morto foi processado sem que fosse mencionado seu óbito e como foi substituído o nome de Fernando Arcela Dantas para seu espólio, possibilitando que a associação de moradores conseguisse o bloqueio de bens do falecido e a quantia de R$ 4.378,80, sem nenhuma reclamação por parte do morto (por motivos óbvios) e de sua família, que alega desconhecer o processo, que corre na justiça desde 2019 (Sr. Fernando morreu em 2013). 

Entenda o caso
Para entender o problema, primeiro é preciso retornar à década de 80. Fernando Arcela Dantas tinha uma fazenda em Barra de Jacuípe, que posteriormente virou loteamento. Os lotes foram vendidos, mas alguns inquilinos acabaram não passando as terras para seus respectivos nomes, apesar de comprovantes de compra e venda do local. O tempo passou, e Arcela acabou falecendo, em 2013.

O loteamento sofreu mudanças, passou a cobrar taxas de condomínio sob alegação de melhorias no local. Em 2019, a associação, fundada em 2016 (ou seja, após a morte de Dantas), resolveu quebrar o descanso eterno de Arcela com um processo, alegando que ele “não vem cumprindo com suas obrigações, de pagar as  taxas, sempre demonstrando falta de interesse com as suas obrigações”, relatou nos autos, em petição inicial. O valor do débito era de R$ 17.116,03, segundo a associação, pelo Lote 19, Qd B, que seria de propriedade do falecido.

É aí que começa todo o imbróglio. “Estou surpreso com esse processo, que em nenhum momento cita que o réu já teria morrido. Causa estranheza também que um alvará judicial para levantamento dos valores penhorados seja emitido tão rápido e sem nenhuma defesa da parte ré ou de seus familiares. Primeiro o terreno é dele, depois não é mais, está confuso. Vi aqui que o processo ainda não foi homologado, ou seja, ainda não tem caráter conclusivo. É preciso investigar”, disse um advogado, que pediu anonimato.

O processo foi iniciado em abril de 2019, com um documento de 90 páginas contra Arcela, mas em nenhum momento citando que o réu já havia morrido. Houve o despacho e carta de intimação, que não foi entregue, claro. Como não é possível psicografar citação celestial para uma pessoa morta, o reclamante anexou nos autos um comprovante de rastreamento de objetos dos Correios para acusar recebimento de Arcela perante a Justiça. Foi feito um rastreio de bens e emitida uma guia de retirada, onde a associação conseguiu receber a quantia de R$ 4.378,80. Só então o reclamante solicitou a extinção do processo, mas curiosamente com uma confissão de dívida em nome de outra pessoa. Desta vez, o Lote 19, Qd B, antes pertencente a Fernando Arcela Dantas, estava agora no nome de Hamilton dos Santos Abreu, que não foi localizado pelo CORREIO. É como se o documento do processo iniciasse dizendo que o lote era de Arcela, mas no final pertencia a outra pessoa. Mesmo assim, o valor do morto foi penhorado e a associação recebeu a quantia.

Aos 45 do segundo tempo, quando a associação requereu o arquivamento do processo, a juíza solicitou a “minuta assinada pelas partes deste processo, bem como juntada aos autos de documento de identificação pessoal da parte acionada (no caso, o morto), sob pena de não homologação do acordo”, disse o documento, que alegou a falta de documentos necessários pela parte ré. Mesmo com a intimação da juíza, o autor “da obra” pediu a extinção do feito, alegando que desiste da causa e ainda sugerindo que Fernando Arcela não precisaria mais ser procurado pela Justiça, confessando, desta vez, que em nenhuma hora o falecido teria sido citado. “o Réu não necessita ser intimado para concordância da desistência, (tendo em vista que ainda não foi citado)”, alegou. O TJ-BA pediu a suspensão do processo, que está sob investigação.

O Tribunal de Justiça do estado foi procurado para comentar o caso, mas não enviou resposta.

Fonte: Correio*