“Chacina do Cabula” completa cinco anos sem respostas: quem são os responsáveis pelos 143 tiros?

Crédito da Foto: Aratu On

O que você conseguiria fazer em exatos 1826 dias? Quais angústias você suportaria neste tempo? E as feridas, será que dá para curar alguma, ainda que seja somente aquelas guardadas no coração? São questionamentos que pairam (ou pelo menos deveriam) nas ideias de todos os envolvidos direta e indiretamente no caso que ficou conhecido como “Chacina do Cabula”. 

Aquela madrugada de intenso tiroteio entre policiais militares, lotados na Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT/Rondesp Central), e supostos assaltantes de banco na localidade conhecida como Vila Moisés completa cinco anos neste 6 de fevereiro. São duas versões para a história: a oficial – que sustenta sobre um Auto de Resistência (quando pessoas morrem em confronto com a PM) -; a dos familiares das vítimas – que afirma: a operação da Rondesp foi montada para executar os rapazes, que tinham entre 17 e 27 anos -. Ninguém foi preso até hoje. 

Nesses anos, pessoas foram ameaçadas (inclusive o então promotor de Justiça responsável pelas apurações, Davi Gallo), os nove policiais envolvidos foram absolvidos sumariamente e a Procuradoria Geral da República (PGR) pediu a federalização do caso. A última atualização: em agosto de 2019 o magistrado do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Vilebaldo José de Freitas, manteve os policiais como réus, dando prosseguimento à ação penal. 

Foram mortos Adriano de Souza Guimarães, 21; Agenor Vitalino dos Santos Neto, 19; Bruno Pires do Nascimento, 19; Caique Bastos dos Santos, 16; Evson Pereira dos Santos, 27; Ricardo Vilas Boas Silvia, 27; Jeferson Pereira dos Santos, 22; João Luis Pereira Rodrigues, 21; Rodrigo Martins de Oliveira, 17; Tiago Gomes das Virgens, 18 e Vitor Amorim de Araujo, 19. Eles chegaram a ser socorridos para o Hospital Roberto Santos, mas não resistiram. Além deles, outras pessoas também foram baleadas. Pela versão oficial, um PM também foi baleado de raspão na cabeça, sem gravidade. 

Foram denunciados à Justiça os policiais Júlio César Lopes Pitta, além de Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos Santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lucio Ferreira de Jesus e Dick Rocha de Jesus. Júlio, um subtenente da corporação, foi identificado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) como mentor da chacina. 

FEDERALIZAÇÃO 

A decisão de Vilebaldo José de Freitas foi proferida meses depois de ser negada a federalização da “Chacina do Cabula”. A transferência para a esfera nacional sempre foi o desejo da Procuradoria Geral da República (PGR) após a juíza baiana Marivalda Moutinho absolver todos os envolvidos em um tempo recorde. A PGR entendeu que “ao absolver sumariamente os policiais militares envolvidos, sem permitir o andamento normal do processo, a Justiça Estadual não levou em conta informações importantes que poderiam levar a um resultado diferente”. 

Em fevereiro de 2018, o pedido foi reiterado, desta vez pela procuradora-geral Raquel Dodge. No documento, ela aponta todos os argumentos, inclusive a quantidade de disparos que teria sido efetuada pelos militares da Rondesp naquela madrugada: 143 disparos, 88 deles certeiros, o que resulta em média de quase 10 tiros certos por acusado. “É possível notar com muita clareza que o trabalho investigatório foi realizado em ambiente que propiciou, desde o início, conclusão desfavorável às vítimas”, relata no pedido, enviado ao Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça. 

Linha-do-Tempo

O documento de Dodge faz ainda outras denúncias. Segundo ele, o laudo pericial produzido no curso do inquérito confirmou que o local dos fatos não foi minimamente preservado e que os projéteis que seriam provenientes de disparos de armas das vítimas não foram recuperados, nem periciados. “Houve contradições e mudanças nos depoimentos dos policiais sobre a versão inicialmente narrada. Funcionários de condomínio vizinho, com acesso ao terreno baldio onde ocorridos os crimes, relataram a presença naquele condomínio de policiais militares no dia dos crimes, o que viabilizaria acesso ao local dos fatos por rota distinta, abrindo espaço para a possibilidade de as vítimas haverem sido encurraladas, em ação premeditada da Polícia Militar”. 

O Ministério Público da Bahia já não fala mais sobre o assunto. Por meio de nota, o órgão informou que “não se pronunciará sobre o caso até que haja a decisão da Justiça”.

HOMENAGEM

Na manhã desta quinta-feira (6/2), um grupo de aproximadamente 15 pessoas fez um ato para relembrar a “Chacina do Cabula”. Foram plantadas árvores no mesmo campo onde os 12 jovens morreram (em troca de tiros ou executados). A ação foi capitaneada pelo grupo Reaja ou Será Morto-Reaja ou Será Morta, que desde 2015 luta para a apuração dos fatos, inclusive com reuniões junto à Procuradoria Geral da República. Informações do AratuOn.

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*Vídeos: Felipe Belmonte (TCC Caso Cabula – 2017)