Após 5 anos de restrições à presença de torcedores rivais nos estádios, um novo capítulo da história dos Ba-Vis começou a ser debatido entre os principais atores sociais envolvidos no maior clássico do futebol baiano. Por meio de uma audiência pública, promovida na manhã desta quarta-feira (13) pela Comissão de Desporto, Paradesporto e Lazer, da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), foi dado o pontapé inicial no que se refere à viabilidade relativa à volta da torcida mista nas partidas entre Bahia e Vitória.
Presidido pelo deputado Bobô (PC do B), ídolo do tricolor baiano e um dos responsáveis pela conquista do título nacional de 88, o encontro reuniu dirigentes de clubes de futebol, ex-atletas e representantes da Polícia Militar da Bahia (PM-BA) e do Ministério Público estadual. Segundo o parlamentar, o objetivo do colegiado foi buscar caminhos para a retomada da convivência entre torcedores das duas principais equipes do Estado e reacender a rivalidade saudável e a paixão característica do clássico.
“São dois times no campo jogando, e nós queremos as duas torcidas acompanhando e vibrando pelos seus times. O estádio de futebol é pacificador. Mas quando a gente segrega, cria mais rivalidade. A Assembleia Legislativa, na verdade, veio provocar esse tema. É importante trazer esse assunto para que gerações futuras tenham socialização. Elas precisam sentar juntas, respeitando o sentimento uma da outra”, afirmou Bobô.
A introdução da temática foi dada a partir de uma apresentação feita pelo comandante do Batalhão Especializado em Policiamento de Eventos, o tenente-coronel da PM Elbert Vinhático. O militar apresentou imagens e manchetes de jornais que retrataram casos de violência no futebol. As fotografias permitiram que o público presente recordasse momentos indesejáveis em que torcedores foram baleados; apedrejamento de ônibus que transportava a delegação de um dos clubes; casos de espancamento nos arredores do estádio, além de brigas entre torcidas organizadas. Em seguida, o comandante também exibiu um vídeo através do qual contextualizou o BAVI do dia 9 de abril de 2017, que motivou a adoção da torcida única nos dias de clássico, em virtude de uma recomendação do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA).
À época, cerca de uma hora após a partida, torcedores entraram em confronto em um posto de gasolina próximo à Arena Fonte Nova. Uma pessoa foi morta nas imediações do Dique do Tororó, em razão dos atos praticados por torcedores rivais. Segundo Vinhático, ocorrências foram registradas e documentos enviados ao MP-BA.
Conforme relatou o comandante do Bepe, depois do clássico de 2017, seis BaxVis foram realizados com apenas a torcida do time mandante presente na praça desportiva. Como resultado, nenhuma ocorrência maior foi registrada pela PM. A partir disso, a ideia da volta da participação da torcida visitante ganhou força e, no primeiro clássico de 2018, a partida foi realizada com torcida mista, e uma nova tragédia marcou a história do confronto entre Bahia e Vitória.
“Foi um desastre total. Nós tivemos, naquele dia, problemas fora do estádio, onde as torcidas se digladiaram na Baixa dos Sapateiros. Além disso, tivemos problemas com o acesso do ônibus do Bahia, tivemos problemas com o acesso dos torcedores visitantes. Vidros foram quebrados, torcedores foram lesionados. Cem torcedores do Vitória foram para cima dos torcedores do Bahia que estavam acessando a praça desportiva. Tivemos transtorno também na parte interna do estádio com o arremesso de objeto entre as torcidas. O banheiro do Barradão foi totalmente quebrado pela torcida do Bahia. E, para variar, tivemos problema dentro do campo entre os atletas. Foi uma conjectura de tudo de ruim para aquele Ba-Vi”, lembrou o militar.
O conflito entre os jogadores mencionado pelo tenente-coronel foi motivado pela comemoração de um gol do Bahia em frente ao setor destinado aos torcedores da equipe rival. Uma briga generalizada aconteceu e alguns torcedores invadiram o campo. Após o ocorrido, uma nova recomendação do MP-BA foi acatada pela Federação Bahiana de Futebol (FBF) e pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), implementando torcida única, como ocorre atualmente.
“A Polícia Militar da Bahia não é favorável à torcida única, mas a forma como o clássico com as duas torcidas foi retomado não foi adequada. A gente precisava ter tido um alicerce maior para aquela volta. A volta tem que ser processual, e, principalmente, segura”, enfatizou Vinhático.
CONSCIENTIZAÇÃO
Outro ponto abordado ao longo da apresentação foi a participação recorrente de membros das torcidas organizadas nos casos de violência, e as faltas de sanções ou medidas inibitórias. Além disso, o militar defendeu a realização de ações de conscientização do torcedor.
Presidente do Esporte Clube Vitória, Fábio Mota afirmou ser a favor da torcida mista, e revelou que a agremiação tem investido em tecnologia para em um curto espaço de tempo apresentar melhores condições para realização de grandes eventos, incluindo o clássico com a presença da torcida rival. “Hoje a gente precisa se aliar aos equipamentos de tecnologia. O Vitória já fez isso. Nós temos reconhecimento facial em todo o nosso estádio. Deveremos inaugurar isso em até 20 dias. Inclusive, vamos colocar à disposição da polícia militar. Eu acho que a instituição Vitória faz a sua parte para a sociedade”, afirmou.
O vice-presidente da Associação Civil Esporte Clube Bahia, Vitor Ferraz, pregou cautela acerca da volta da torcida mista. Ele lembrou o atentado ao goleiro Danilo Fernandes, em fevereiro de 2022, elogiou o trabalho da polícia ao identificar os vândalos, mas cobrou a adoção de medidas efetivas que reúnam condições para acabar com a torcida única nos estádios. “O que foi feito para que nós, atores nesse processo, possamos ter a tranquilidade para decidir pelo retorno da torcida mista? Nós vamos nos responsabilizar por isso?”, questionou.
Segundo o presidente Federação Bahiana de Futebol (FBF), Ricardo Nonato, antes que ambas as torcidas possam compartilhar as arquibancadas, numa possível redefinição do cenário futebolístico da Bahia, vários fatores devem ser levados em conta. Nonato defendeu um alinhamento entre todos os segmentos envolvidos, e sugeriu a realização de um seminário com os principais atores sociais interessados, antes de definir qualquer ação. “Não vamos ter pressa. Vamos seguir quem tem a expertise. Isso passa por um processo socioeducacional. Foge ao futebol. Precisamos entender o que nos trouxe ao contexto atual. Temos que parar e entender como voltaremos ao normal. Tudo isso com segurança. Somos a favor da alegria do futebol, mas primeiro somos a favor da preservação do ser humano”, afirmou.
O vereador de Salvador, Augusto Vasconcelos (PC do B), concorda com a retomada processual da torcida mista, mas o tema deve estar no horizonte do Poder Público. De acordo com o edil, somente os vândalos saíram vitoriosos com a consolidação da torcida única. “De algum modo, quem quer a alegria do espetáculo saiu perdendo. Aqueles que criam o caos dobraram o Poder Público. O Ba-Vi faz parte da nossa cultura, da baianidade nagô. Temos que criar condições de recuperar isso”, frisou.
A postura combativa foi endossada pelo deputado Matheus Ferreira (MDB). Torcedor declarado do Esporte Clube Bahia, o parlamentar destacou a importância de uma rivalidade pacífica. “Nós torcedores, do Bahia e do Vitória, sentimos saudade daquele calor humano, do grito, e até da vaia. É bonito ver o estádio cheio, dividido pelas torcidas”, disse.
O evento durou toda a manhã na sala das comissões. Além dos já mencionados, participaram da audiência pública os deputados Roberto Carlos (PV), Fabrício Falcão (PC do B), Zó (PC do B) e Fátima Nunes (PT); o vice-presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia (TJDF-BA), Marcos Bomfim; o promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), Luís Alberto Vasconcelos; o coordenador de Esportes da Secretaria do Trabalho, Emprego Renda e Esporte do Estado da Bahia (Setre), Gustavo Miranda; o coordenador da Sudesb (Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia), Sinval Vieira; e o gestor do Itabuna Esporte Clube, Gerson Figueiredo.