Contratos de compra dos respiradores têm diferença de mais de R$ 700 mil e cláusula de garantia da entrega distintas

Foto: Paula Fróes/GOVBA

As diferenças entre o contrato que foi analisado e o assinado pelo governador Rui Costa, em nome do Consórcio Nordeste, na compra dos respiradores, vão desde o valor da compra e do seguro, à cláusula das garantias da entrega.

Na quarta-feira (17), o procurador-geral da Bahia, Paulo Moreno, já havia confirmado que os contratos eram divergentes. Nessa sexta (19), a TV Bahia conseguiu com exclusividade uma cópia dos documentos.

A primeira diferença está no valor da minuta do contrato, que é o rascunho do acordado entre as partes, onde o total da compra é de pouco mais de R$ 49.475.358. No que foi assinado, pouco mais de R$ 48.748.575, uma diferença de R$ 726.783.

Outra diferença está no valor do seguro do transporte: na minuta, R$ 615.678. Já no contrato assinado, R$ 606.632, em uma diferença de R$ 9.046.

Além dos valores, outra alteração entre a minuta e o contrato assinado é a redação da cláusula que fala das garantias da entrega dos respiradores que seriam comprados na China.

Na cláusula sétima da minuta consta a contratação de um seguro internacional para o transporte, com o objetivo de resguardar a entrega dos ventiladores ao contratante.

No entanto, no documento assinado o texto diz que a seguradora se responsabiliza pelo transporte, mas a partir do momento do embarque dos equipamentos.

Como o seguro estaria condicionado ao embarque e os respiradores chineses não foram comprados, existe a dúvida com relação à Hempcare ser liberada da obrigatoriedade de assegurar os respiradores.

Toda revisão de contratos do estado é de responsabilidade da procuradoria, o que chegou a ser feito com a minuta. O procurador-geral Paulo Moreno responsabilizou a administração do consórcio nordeste pelo governador Rui Costa ter assinado um contrato que não era igual ao que passou por revisão.

“O contrato não precisa retornar para a PGE. Ele, com base nessas recomendações, o órgão responsável, que no caso é o Consórcio, faz as correções eventuais devidas no próprio contrato, e depois é colhida a assinatura do responsável, que no caso do Consórcio é o próprio governador. Se ficou claro para o governador que houve todo esse procedimento, ele assina o contrato que chega lá levados por quem despacha com ele esse processo”, explicou Moreno.

A minuta do contrato foi assinada eletronicamente pelo secretário executivo do Consórcio Nordeste, Carlos Gabas. A TV Bahia tentou contato com ele para tratar do caso, mas não conseguiu falar.

O contrato final foi assinado, também eletronicamente, por Cristiana Preste Taddeo, dona da empresa Hempcare e pelo governador Rui Costa.

Apesar do procurador-geral ter responsabilizado o Consórcio Nordeste, quem comandou as negociações do contrato foi o ex-secretário da casa Civil, Bruno Dauster, que pediu exoneração no dia 4 de junho. Na quarta-feira (17), Dauster admitiu que poderia haver erro no contrato.

“Eu imaginava que contratualmente havia sido prevista uma cláusula de garantia de seguro, mas efetivamente não verifiquei no contrato e não participei da assinatura do contrato. Mas não estou, com isso, tentando transferir responsabilidade ou culpa para ninguém. Eu posso dizer que acredito que eu possa ter cometido erros e seguramente cometi, porque o dinheiro ainda não foi devolvido”, disse ele.

As investigações sobre as compras dos respiradores, que estavam com a Polícia Civil e Justiça da Bahia, foram transferidas para Ministério Público Federal, o Superior Tribunal de Justiça e a Polícia Federal, em Brasília.

Caso

Respirador de UTI  — Foto: Paula Fróes/GOVBA
Respirador de UTI — Foto: Paula Fróes/GOVBA

A Justiça já havia determinado o bloqueio dos bens da empresa Hempcare, que deixou de entregar os respiradores comprados por R$ 48,7 milhões aos estados nordestinos. A decisão ocorreu após uma ação aberta pelo Consórcio.

No Diário Oficial do Estado da última sexta-feira (29), representando o Consórcio Nordeste, o governador do estado, Rui Costa instaurou processo administrativo com a finalidade de apurar irregularidades praticadas pela empresa Hempcare, com sede em São Paulo.

No documento, consta a informação de que a empresa foi contratada pelo Consórcio Nordeste em 8 de abril de 2020, e que inquérito foi aberto por haver indícios de descumprimento das obrigações contratuais, mediante a inexecução contratual. Os indícios de irregularidades não foram detalhados no documento.

A empresa declarou que não iria recorrer da decisão porque já havia acordado a devolução do dinheiro, que será feita nos próximos dias. Depois disso, os bens deverão ser desbloqueados.

O atraso na entrega da carga dos respiradores foi anunciado no dia 5 de maio, pelo secretário de saúde da Bahia, Fábio Vilas Boas. Na ocasião, havia uma previsão da chegada dos equipamentos ainda no mês de maio, o que não ocorreu.

Dois dias depois, em 7 de maio, o governador Rui Costa informou sobre o cancelamento da compra dos respiradores por causa do atraso. Ainda no início de maio, o secretário Fábio Vilas Boas previa a devolução do dinheiro da compra cancelada dos respiradores até a primeira quinzena do mês.

Diante do insucesso na compra e do processo para devolução do dinheiro investido, o Ministério Público do Estado (MP-BA) abriu um procedimento para apurar possíveis irregularidades nas compras dos respiradores.

Operação Ragnarok

Polícia Civil da Bahia faz operação contra empresa que deixou de entregar respiradores a estados do Nordeste — Foto: Adriana Oliveira/TV Bahia
Polícia Civil da Bahia faz operação contra empresa que deixou de entregar respiradores a estados do Nordeste — Foto: Adriana Oliveira/TV Bahia

A Operação Ragnarok, realizada pela Polícia Civil da Bahia, realizou buscas na empresa Biogeoenergy, que fez parceria com a Hempcare, e no apartamento do diretor da empresa, no bairro do Morumbi, em Araraquara.

O advogado da empresa, Delorges Mano, afirmou que a empresa de Araraquara ainda não começou a produção dos respiradores. Por meio de nota, a Biogeonergy diz que aguarda a certificação da Anvisa para dar início à produção e destaca que não tem contrato de venda assinado com governos.

A dona da Hempcare, que teve os bens bloqueados, informou que fez o contrato para importar respiradores da China, mas que durante as negociações percebeu que os equipamentos fabricados no país apresentavam problemas.

A empresa afirmou que, em contrapartida, ofereceu respiradores produzidos no Brasil, testados pela Anvisa e mais baratos. Ainda segundo a empresa, caso a substituição fosse aceita, ao invés de 300, mais de 400 respiradores seriam entregues.

O secretário de Segurança Pública da Bahia informou que os respiradores nacionais colocados como opção de recebimento pela empresa, nem existem porque não foram homologados pela Anvisa.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que os respiradores produzidos pela Biogeoenergy não possuem registro. Ou seja, não há no órgão nenhum pedido em análise ou qualquer tipo de trâmite. Esse protocolo, conforme explica a Anvisa, é um dos primeiros passos para a certificação de um produto.

Durante a operação, foram detidos o empresário Paulo de Tarso, a dona da Hempcare, Cristiana Prestes, e o sócio dela, Luiz Henrique Ramos. O trio foi liberado no dia 7 junho, após prestar depoimentos. Informações do G1.