O juiz federal Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara do Distrito Federal, deu 72 horas para o governo de Jair Bolsonaro (PSL) explicar medidas que tem adotado para combater queimadas na Amazônia. Também ordenou que sejam informadas as providências adotadas por autoridades para punir envolvidos com incêndios criminosos na vegetação. Ele acolhe parcialmente ação popular movida pelo advogado Carlos Alexandre Klomfahs.
Em decisão, o magistrado afirma que “nossa Constituição não deixa dúvidas acerca da responsabilidade do Poder Público em coibir, dentre outras, o emprego de técnicas e métodos que coloquem em risco a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
“Da mesma forma, não se pode ignorar que o texto constitucional, depois de deixar claro que a região da Floresta Amazônica constitui patrimônio nacional dos brasileiros, também impõe que o seu uso/exploração se dê ‘dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais’ (§4º)”, escreve.
Segundo o juiz, “assiste razão ao autor popular quando atribuiu ao Poder Público a responsabilidade por regular, fiscalizar e punir atividades envolvendo o meio ambiente naquela região (que é de vital importância para o mundo)”.
Responsabilidade dividida
O magistrado, no entanto, pondera que “a responsabilidade por proteger o meio ambiente e combater a poluição gerada pelas queimadas também é dos estados e dos municípios nas quais elas são geradas”. “Não é apenas responsabilidade da União, como erroneamente se tem difundido”.
Estiagem
O juiz afirma que, “embora indesejado, não podemos ignorar que, em grande medida, o agravamento do quadro (aumento do número de focos de incêndio, maior demora nos seus controles, amplitude das áreas atingidas etc.) também guarda relação direta com o período de estiagem/seca que todos os anos atinge grande parcela do território brasileiro neste período do outono/inverno”.
“O que, infelizmente, potencializa os efeitos adversos das queimadas e acaba não sendo considerado por muitos que, naturalmente, por desconhecimento ou maldade, imediatamente, procuram correlacionar o fenômeno com o também nem sempre legal manejo/corte de árvores na região amazônica (não é supérfluo lembrar que a própria Europa, Austrália e Estados Unidos enfrentam ciclos de incêndios devastadores nos seus respectivos períodos de redução pluviométrica)”, relata.
Spanholo afirma que, “se de um lado não podemos ignorar que a exploração dos recursos naturais naquela parte do território nem sempre segue os ditames da lei (que vem agravada pela fiscalização deficitária etc.), de outro, como o próprio autor popular alertou em sua inicial, também não podemos ignorar que muitos não são totalmente verdadeiros quando pousam de ‘defensores da Amazônia — o pulmão do mundo’”.
Ingênuos!
“Não somos ingênuos!”, exclamou o juiz, ao afirmar que “há muito interesse econômico em jogo, tanto no ambiente interno do país, como no seio de grande parcela da comunidade internacional”.
“Infelizmente, interesses pouco nobres acabam se misturando e maculando (no mínimo gerando dúvidas indevidas) o trabalho sério de milhares de outras iniciativas (nacionais e internacionais) que, verdadeiramente, apenas querem ver a nossa região amazônica continuar cumprindo o seu papel ambiental com o mundo, sem relegar a uma condição de injustificada pobreza aos milhões de brasileiros que lá residem”, anotou.
O juiz prossegue. “Aliás, não podemos esquecer que, em grande medida, a força econômica de muitos países, empresas e pessoas que hoje criticam (algumas vezes com razão, noutras nem tanto) a nossa forma de gerenciar a exploração dos nossos recursos naturais amazônicos, no passado, conquistaram o seu poder econômico exatamente por meio da exploração predatória do seu solo e dos recursos naturais que possuíam”.
O magistrado justifica que “não se está aqui defendendo que os erros e os abusos por eles cometidos no passado servem de ‘salvo conduto’ para que o Brasil e os brasileiros também incorram em erros idênticos”. “Contudo, uma coisa é demonstrar a boa intenção de colaborar para que a região amazônica não deixe de ter a importância ambiental que ela tem para o mundo”.
“Outra bem diversa é querer usar discursos vazios e até mal intencionados (que não ultrapassam um simples olhar diante do espelho da própria história) para avocar a si um poder que a soberania brasileira jamais outorgou a terceiros (que sequer aqui vivem, que sequer aqui conhecem adequadamente)”, afirma.
“Cometemos erros, sim, cometemos! Precisamos corrigir rumos, também!”, constata.
O juiz afirma que, porém, “o povo brasileiro é soberano para tomar suas decisões e sempre pautou a sua atuação perante a comunidade internacional com muito respeito, sendo uma das nações que menos praticou ingerência e/ou beligerou acerca dos assuntos internos de outros países”.
“Temos nossas limitações, nossos governantes muitas vezes acabam não sendo muito felizes nas suas decisões e atitudes, mas não somos incapazes, e muito menos aceitaremos, de maneira imposta, que terceiros venham decidir sobre nossos assuntos internos”, anota.
ONU
O magistrado rejeitou pedido do advogado Klomfahs para que o Brasil se submeta à “inspeção de organismos internacionais como a ONU para aferir os dados sobre o desmatamento da Amazônia”, conforme requerido pelo autor”.
“Igualmente, em nome do Princípio da Separação dos Poderes (art. 2º), rejeito o pedido para impor ‘ao Presidente da República que proceda a demonstração em rede nacional de Rádio e TV, do relatório oficial sobre a real situação da floresta Amazônica‘”, escreve.
Segundo o magistrado, “no atual estágio do processo, não há como sequer reconhecer se, de fato, o atual e os anteriores governos (afinal, o longo histórico de desmatamento na floresta amazônica não surgiu agora) deixaram de registrar ou manipularam informações relativas à cobertura vegetal lá existente”. As informações são do Metrópoles.