O Ministério Público Federal (MPF) em Belo Horizonte (MG) ingressou com ação civil pública para que a Justiça Federal condene os Correios a indenizar os destinatários de seus serviços que tiverem encomendas – objetos, mercadorias e documentos – extraviadas. Atualmente, a empresa pública aceita ressarcir apenas os expedidores das postagens.
A investigação teve início a partir de representação em que um cidadão de Igarapé (MG), município da região metropolitana de Belo Horizonte (MG), relatou que comprara um produto no exterior, e, após pagar as taxas de alfândega, sua encomenda foi encaminhada da unidade internacional para o centro de distribuição dos Correios na capital mineira. Poucos dias depois, o sistema de rastreamento da empresa apontava que o pacote fora enviado de BH para a agência dos Correios em Igarapé, onde nunca chegou.
O usuário pediu informações aos Correios, que acabou por admitir a perda da encomenda. O cliente, então, pediu ressarcimento pela perda da mercadoria e recebeu a seguinte resposta: “Conforme normas postais internacionais, o remetente, por ser o contratante do serviço de distribuição no exterior e responsável legal pelo objeto, é o único beneficiário de possível indenização.”
Instaurada investigação, o MPF recomendou aos Correios que reconhecesse sua responsabilidade em caso de vícios na prestação dos serviços, entre eles o extravio de mercadorias, de modo que tanto o remetente do objeto que contratou o serviço de distribuição no exterior quanto o destinatário de tal objeto possam ser beneficiários de eventual indenização.
A Empresa Brasileira de Correios (EBC) recusou o acatamento da recomendação, com base na mesma justificativa apresentada ao cliente, que, por sua vez, teria se baseado na Convenção Postal Universal, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 9.358/2018.
Para o MPF, tal conduta é ilegal, porque contraria nosso sistema jurídico, em especial o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
“A cláusula de proteção ao consumidor encontra fundamento na própria Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXXII, sendo, portanto, hierarquicamente superior às leis ordinárias. Além disso, ainda que se considerasse que ambos os normativos sejam da mesma estatura, o sistema impõe que se prestigie a norma mais favorável ao consumidor”, afirma o procurador da República Fernando de Almeida Martins.
Proibição de retrocesso – O procurador sustenta ainda que, no plano internacional, prevale a chamada proibição do retrocesso, segundo qual é vedado aos Estados que diminuam ou amesquinhem proteção já conferida aos direitos humanos.
“Mesmo novos tratados internacionais não podem impor restrições ou diminuir a proteção de direitos já alcançada. Ou seja, mesmo que a Convenção Postal Universal tenha entrado em vigor internamente no Brasil em 2018 por meio do Decreto nº 9.358, posteriormente, pois, ao CDC, suas disposições não podem macular, restringir e/ou diminuir a proteção de direitos já conferida aos consumidores, que, no caso dos Correios, são todas as vítimas do evento, remetentes e/ou destinatários”, diz.
Responsabilidade pela má prestação do serviço – De acordo com a ação, a EBC, na condição de concessionária de serviços públicos, é obrigada por lei a indenizar os usuários de seus serviços por quaisquer danos causados pela ineficiência na entrega da mercadoria enviada, conforme artigos 5º, V, e 37, caput, da Constituição, e art. 22, parágrafo único, do CDC.
“No caso dos Correios, comprovado o nexo causal entre o dano e a conduta do agente, é devida a indenização para reparar os prejuízos materiais sofridos pelo usuário do serviço. Esse prejuízo deve ser apurado a partir da soma das despesas de postagem com os valores das mercadorias enviadas”, explica Fernando Martins. “E ainda podem incidir danos morais causados pelos transtornos decorrentes da ausência de entrega da encomenda contratada, conforme dispõe a Súmula nº 37 do STJ”.
Ele relata que o nexo causal já foi inclusive admitido pela empresa, ao informar ao cliente que perdeu a mercadoria, e, segundo o procurador, “o extravio de mercadorias acontece com uma frequência muito maior do que poderíamos imaginar”.
Em resposta a questionamentos feitos pelo MPF durante a investigação, os Correios informaram a quantidade desse tipo de ocorrências no período de 2014 a 2017 no estado de Minas Gerais: naquele ano, houve 14.174 extravios; em 2015, 21.632; em 2016, 15.466 e em 2017, 11.114.
“Quando você posta um produto, seja ele de qualquer natureza, o que se espera legitimamente é que os Correios cumpram seu dever de entregar essa postagem em segurança. Assim, tanto o destinatário quanto o remetente devem receber serviço adequado e caso não recebam, abre-se a possibilidade de serem indenizados se comprovarem prejuízo. E isso, independentemente de essa postagem ter sido feita no país ou no exterior. No caso, inclusive, a falha no serviço ocorreu em território nacional. Porque, então, só o remetente, no exterior, seria indenizado?”, questiona Fernando Martins.
Pedidos – O MPF pediu que a Justiça Federal declare a responsabilidade dos Correios em caso de má prestação dos serviços, incluído o extravio de mercadorias ou objetos, de modo que tanto o remetente quanto o destinatário possam ser beneficiários de possível indenização, caso comprovem, no caso concreto, qualquer tipo de prejuízo ou dano advindo dessa falha.
Foi pedida também a condenação da empresa pública por danos morais coletivos no valor de R$ 2.496.745,00, que corresponde a 0,1% do lucro bruto da EBC consolidado em 31.12.2018.
Assessoria de Comunicação Social