“É só uma fase”. Você já deve ter escutado alguém usar essa frase para se referir à adolescência. Mas, será que essa etapa da vida, assim como a infância, não merece um pouco mais de atenção e cuidado? Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada nesta sexta-feira (10) aponta que sexo, drogas e transtornos mentais são pontos comuns entre os adolescentes baianos. Segundo especialistas, o resultado aponta um sinal de perigo e requer orientação e acolhimento.
Na Bahia, seis em cada dez estudantes de 13 a 17 anos já experimentaram bebida alcoólica alguma vez na vida (60,6% do total). A maioria é do sexo feminino (64,9%) e estudantes da rede privada (61,1%). Dos que provaram álcool, 32,6% fizeram isso antes dos 13 anos. Já 35% dos estudantes adolescentes do estado fizeram sexo – 40% deles antes dos 13 anos. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada pelo IBGE em 2019 e divulgada nesta sexta. O levantamento foi feito em 157 escolas públicas e privadas da Bahia, com 5.986 estudantes.
Mas, o estado não segue a mesma tendência em relação às drogas ilícitas – bem menos consumidas por aqui. A Bahia foi o estado onde os estudantes entre 13 e 17 anos menos declararam já ter experimentado esse tipo de substância alguma vez na vida: apenas 5,5%. A proporção é praticamente igual entre homens (5,6%) e mulheres (5,5%) e um pouco maior entre os estudantes da rede privada (6,2%) do que na pública (5,4%). Entre as capitais do país, Salvador tem o segundo menor percentual de estudantes adolescentes que já experimentaram drogas ilícitas (9,1%).
A psicóloga clínica Amanda Brito, que atende adolescentes, define essa fase da vida como desafiadora e explica como comportamentos negativos podem ser desencadeados.
“A adolescência é uma fase em que os jovens têm uma tendência maior a comportamentos disruptivos e transgressores. Isso pode se manifestar na forma de curiosidade e vontade de experimentação. Mas, o uso de drogas, assim como o início da atividade sexual, pode significar muitas vezes uma vontade de pertencimento, com o famoso ‘se todo mundo faz, eu também quero fazer’, ou também uma estratégia de fuga da realidade e das emoções”, explica.
Aos 17 anos, Sofia**, estudante de um colégio particular de Salvador, confirma o que diz a psicóloga. Ela conta que começou a consumir álcool aos 14 anos e que já fez uso de maconha. “O cigarro e as drogas ilícitas costumam ser consumidas um pouco mais tarde do que o álcool. No começo, a gente tem muito preconceito, mas depois vai ficando tão normal, vamos vendo todo mundo usar e acabamos experimentando. A maioria já usou pelo menos maconha, mas conheço gente que já experimentou quase tudo”, relata.
Política sobre drogas
Sofia conta que sempre encontrou bebidas alcoólicas em festas de 15 anos, gincanas do colégio e reuniões entre os amigos. As drogas ilícitas não ficam para trás. A estudante diz que a droga é tratada com tanta naturalidade pelos colegas que as substâncias são manipuladas e consumidas até mesmo nas salas de aula.
“Já teve um escândalo no meu colégio em que duas pessoas foram expulsas por isso. O pessoal passava droga no meio da sala de aula, dentro de uma embalagem de biscoito. Uma menina usou na hora do almoço e depois foi para a aula e aí os professores perceberam”, lembra a menina.
A psicóloga alerta para os perigos. “Esses adolescentes podem desenvolver quadros de dependência, o que já se enquadra como transtorno mental. Mas, qualquer tipo de uso, mesmo que não seja contínuo, pode trazer prejuízos. O jovem ainda está em um período de reorganização cerebral e de criação de identidade. Qualquer consequência disso nessa fase será ainda mais difícil de lidar”, pontua.
Sofia ressalta uma outra consequência que as drogas, sejam lícitas ou ilícitas, podem trazer: a perda de controle em relação às próprias atitudes. “Uma amiga minha, com 14 anos, foi beber pela primeira vez e ficou bêbada. Ela passou mal, caiu, bateu a boca e começou a sangrar. Precisou inventar uma outra história para os pais. Essa festa foi em um píer e as pessoas alcoolizadas até pularam no mar”, conta.
Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD) e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança da Bahia alerta que, no Brasil, há uma falha em relação à política de informação sobre substâncias tóxicas.
“É preciso informar os adolescentes, apresentar evidências científicas. A política normalmente adotada nas escolas é do pânico moral em relação às substâncias psicoativas e isso, em alguns casos, pode inclusive incentivar a transgressão, ao invés de educar sobre os efeitos e danos causados pelo uso precoce das substâncias”, ressalta.
Tem idade certa para o sexo?
Se o uso de drogas ilícitas não é tão comum entre os baianos, não se pode dizer o mesmo da vida sexual. Segundo a pesquisa, 35% dos estudantes adolescentes do estado já praticaram sexo (a maioria é de meninos e que estudam na rede pública). Desses, quatro em cada dez fizeram isso antes dos 13 anos.
“A gente não pode precisar qual é a melhor idade para iniciar a vida sexual, isso varia muito e depende de cada indivíduo. O que a gente precisa é, desde cedo, orientar esses jovens, de forma educativa, sobre o próprio corpo, sobre consentimento, sobre questões de saúde para que haja informação e maturidade para quando eles decidirem iniciar as atividades sexuais”, pondera a psicóloga Amanda Brito.
Sofia revela que teve a sua primeira relação sexual aos 17 anos, mas que sabe que isso não é o mais comum: “Minhas amigas começaram a fazer as preliminares aos 14, 15 anos. Faziam de tudo, menos a penetração, achando que isso não era sexo. E isso nas festas, em banheiros, escadas e com várias pessoas diferentes”.
Ela afirma que nunca teve conversas com os pais sobre sexo e nem aulas de educação sexual, mas sabe que é essencial. “Muitas meninas mais novas acabam se envolvendo com caras mais velhos e isso nem sempre dá bom. Acontecem muitas coisas de abuso e às vezes as pessoas envolvidas não têm nem noção do que está acontecendo. Os meninos acham que não tem problema insistir e as meninas acham que é normal ceder. Discutir sobre relação sexual, estupro e relacionamento abusivo, por exemplo, é algo extremamente necessário”, opina Sofia.
Além da violência física, também acontece a violência verbal, psicológica e moral. “Às vezes acontecem vazamentos de nudes, mas no ano passado vazaram prints de conversas de um grupo de meninos da minha escola. O conteúdo era cheio de xingamentos e ofensas às meninas, de caráter sexual até, falando sobre o corpo delas. Foi um escândalo e todo mundo se mobilizou através das redes sociais contra eles”, conta.
Para a educadora sexual Magali Tourinho, é por isso que o sexo deve ser tratado com naturalidade e os adolescentes precisam receber orientações sobre educação sexual.
“No adolescente, por conta das transformações do corpo e do próprio cérebro, é natural que eles comecem a querer explorar a sexualidade. E aí, se isso não é tema de conversa dentro de casa e na escola, ele vai buscar isso na internet e na pornografia, que trazem contextos totalmente diferentes da realidade, o que prejudica o adolescente e leva consequências até a vida adulta”, ressalta.
“Para a maioria dos brasileiros, falar sobre sexualidade é antecipar a vida sexual. E esse é justamente o ponto. A curiosidade é o que mais leva os adolescentes a entrarem nesse universo e o perigo está na curiosidade sem informação. O sexo não é algo ruim e condenável, mas precisa ser feito no tempo certo e da forma certa. Quando o adolescente recebe orientação sobre o tema, vai pensar duas ou três vezes antes de iniciar a vida sexual”, completa.
Ela destaca que não há idade certa para começar a falar sobre sexo e que cada realidade demanda uma ação diferente. “A partir de 13 anos, a gente já pode tranquilamente falar sobre isso. Mas é importante dizer que isso pode ser feito em qualquer fase da vida, desde que com as devidas adequações. Se uma menina menstrua é preciso falar sobre isso, na verdade, até antes, para prepará-la. E é muito comum a gente ter nas escolas públicas adolescentes que com 12 ou até nove anos já tiveram relações sexuais”, pontua.
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Camisinha fica pra escanteio: 40% não usam preservativo
A pesquisa do IBGE aponta que cerca de 40% dos estudantes baianos que afirmaram fazer sexo não usam camisinha. Além disso, Salvador é a cidade do país com mais adolescentes que já ficaram grávidas (13%). Segundo dados da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), 15,6% dos bebês nascidos em 2021 têm mães adolescentes.
A ginecologista, obstetra e professora adjunta da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Márcia Machado, conta que a gestação na adolescência provoca mudanças físicas e emocionais em jovens que já estão em uma fase de muitas transformações por conta dos hormônios. Algumas delas desenvolvem transtornos alimentares e sintomas emocionais, como a depressão.
“Isso pode gerar consequências sexuais e emocionais para toda a vida. Também aumenta o risco de hipertensão na gestação e nascimento de bebês com baixo peso. Outra consequência importante é o abandono ou atraso escolar por conta da maternidade”, afirma.
Para a psicóloga Amanda Brito, o diálogo entre pais e filhos é essencial, assim como a ajuda de um profissional para orientar as ações. “É preciso dizer que a expectativa não deve ser se tornar o melhor amigo do filho. É possível e mais saudável ter uma boa relação, uma abertura e, ao mesmo tempo, manter o papel de imposição de limites, de orientação e de referência. Muitas vezes as atitudes dos pais vão desagradar os filhos e isso é natural”, destaca.
“O adolescente está em um processo de busca de referências e as figuras familiares têm papel importantíssimo. O jovem está o tempo todo absorvendo o que a figura dos pais transmite. Se houver dificuldade de diálogo, é preciso buscar especialistas, um profissional”, finaliza.
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Secretarias desenvolvem ações educativas
Palestras, debates e materiais didáticos, entre outras ações para conscientizar os adolescentes têm sido as apostas do governo nessa seara, segundo o responsável pela Coordenadoria da Educação Ambiental e Saúde da Secretaria Estadual da Educação (SEC), Fábio Barbosa. Ele destacou o Programa Saúde na Escola, do governo federal, como uma iniciativa que tem dado resultados. Na Bahia, o programa é coordenado pelas secretarias da Educação e da Saúde.
“São 13 ações, incluindo o trabalho com a covid-19. Temos mais de 11 mil unidades escolares pactuadas neste programa na Bahia, com 2.192.313 de estudantes beneficiados”, diz Barbosa.
O planejamento contempla a promoção das práticas corporais, da atividade física e do lazer nas escolas; prevenção ao uso de álcool, tabaco, crack e outras drogas; direito sexual e reprodutivo e prevenção de IST/Aids.
Outras iniciativas são o Projeto de Prevenção à Gravidez na Adolescência e o Projeto Saúde na Escola, do governo do estado. A ideia é parecida com o programa nacional, mas é mais flexível, deixando a cargo das escolas escolher quais temas abordar e ações desenvolver. As abordagens também envolvem questões éticas e morais.
A coordenadora de Inclusão e Transversalidade da Secretaria de Educação de Salvador, Jaqueline Araújo, afirma que as escolas municipais também participam do Programa de Saúde na Escola. “Quando estávamos 100% presencial eram realizadas oficinas e palestras nas escolas. Agora, por conta da pandemia, temos disponibilizado podcasts, cards, e lives para estreitamento da relação entre as escolas e equipes de saúde”, afirma Jaqueline.
“Temos também parceria com a Secretaria Municipal de Saúde para realização de ações voltadas para o Setembro Amarelo, que realizaremos na segunda quinzena de setembro. E estamos em processo de adesão ao Programa Vem Viver, que abordará questões sobre promoção da cultura de paz e valorização da vida. É um trabalho que envolverá também as famílias dos estudantes”, explica. As ações, de acordo com cada especificidade, atingem todos os segmentos da educação (do infantil à educação de jovens e adultos).
**Nome fictício
Fonte: Correio*