Pandemia teve impacto pequeno na ocorrência de mortes no trânsito

Foto: Ilustração

A circulação reduzida por conta da pandemia não impediu que 1.307 pessoas morressem e mais de 18 mil ficassem feridas, em vários níveis de gravidade, em decorrência de acidentes de trânsito nas rodovias de toda a Bahia e vias urbanas de Salvador. Disponibilizados no painel online de Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas de Trânsito (Renaest), os números reúnem as ocorrências entre janeiro e outubro de 2020, e os óbitos do período representam 72% dos registrados nos 12 meses de 2019.

Embora ressalte que a Bahia tem uma média de mortes abaixo de muitos estados brasileiros, o diretor geral do Detran-BA (Departamento Estadual de Trânsito), Rodrigo Pimentel, considera fundamental a redução desses números. Por isso, o órgão participa do Maio Amarelo, que, segundo define, “busca conscientizar os condutores de veículos sobre seu papel no trânsito, trabalhando por um trânsito cada vez mais seguro”.

Para Pimentel, o tema “Respeito e Responsabilidade: pratique no trânsito” escolhido para o Maio Amarelo deste ano aborda questões centrais para a preservação da vida e integridade de condutores, passageiros, ciclistas e pedestres. Ele lembra que o estado não atingiu a meta de redução de 50% em uma década, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), e renovada para o decênio 2020-2030.

Na avaliação do diretor do Detran-BA, inserir a educação para o trânsito nas escolas é uma medida importante para garantir o respeito e a responsabilidade a longo prazo, com a formação de cidadãos mais preparados para a condução segura. Ele conta que o órgão chegou a iniciar um diálogo com a Secretaria de Educação do Estado, mas o processo foi interrompido em virtude da pandemia de Covid-19.

Salvador

Na capital baiana, a Transalvador registrou 121 acidentes com mortes em 2020, somente nove a menos do que o verificado em 2019. “A redução não foi mais expressiva porque as pessoas tiveram sensação de liberdade maior e imprimiram maior velocidade”, avalia o superintendente do órgão, Marcus Passos. Sua conclusão é baseada no aumento de infrações por excesso de velocidade até 20% do limite permitido.

Apontando a engenharia de tráfego, a educação para o trânsito e a fiscalização como os três pilares para que Salvador tenha um fluxo normal nas vias e um trânsito seguro, Passos lembra o desafio adicional de conjugar tudo isso com as grandes intervenções viárias em andamento na cidade. Por isso, considera importante a ênfase ao respeito e responsabilidade no Maio Amarelo.

Entre os desafios do período de pandemia, Passos destaca a maior circulação de motociclistas, sobretudo atuando em serviços de entrega, cuja demanda foi ampliada pela recomendação de isolamento social. Por conta disso, anunciou que em breve será lançada uma campanha específica para esse público. Ele ressalta ainda o grande número de condutores que ingerem bebida alcóolica antes de sair com o veículo, o que tem sido verificado nas blitzs de alcoolemia.

Nacional

O presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Antônio Meira Júnior, conta que a redução das mortes no trânsito no Brasil, na última década, foi pouco maior que 30%. Além de Salvador, capitais como Aracaju e Belo Horizonte estão entre as poucas que conseguiram alcançar a meta de 50% definida pela OMS em parceria com a ONU.

“O objetivo do Maio Amarelo é chamar a atenção da população para essas tragédias no trânsito, para o número inaceitável de mortes e sequelas no trânsito”, reforça Meira Jr. Ele ressalta que as campanhas de conscientização não podem ficar restritas a este período, sendo fundamentais ao longo de todo o ano, de forma a gerar uma responsabilização coletiva sobre a segurança no trânsito.

O presidente da Abramet lembra que “a maior parte dos chamados acidentes de trânsito têm envolvimento do fator humano e poderiam ser evitados”. É para consolidar essa compreensão que a expressão “acidente de trânsito” está gradualmente sendo substituída por “sinistro de trânsito”, termo que atualmente consta na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para uso em estudos e pesquisas.

O professor Pablo Florentino percebe que ciclistas são vistos como empecilhos | Foto: Felipe Iruatã | Ag A TARDE | 11.09.2020
O professor Pablo Florentino percebe que ciclistas são vistos como empecilhos | Foto: Felipe Iruatã | Ag A TARDE | 11.09.2020

Leis priorizam não motorizados

Há dez anos, o professor Pablo Vieira Florentino, 43 anos, tem a bicicleta como seu principal meio de transporte, seja para ir ao trabalho, levar o filho à escola ou fazer compras na feira. Pelo seu cotidiano de ciclista ou no que acompanha como integrante do coletivo Mobicidade, ele percebe uma resistência dos condutores de veículos motorizados em reconhecer o ciclista como parte do trânsito.

“As pessoas que têm o volante como meio de vida, são pessoas que vivem estressadas pelo trânsito, então elas enxergam o ciclista como um empecilho, um atraso, elas não conseguem enxergar o ciclista como um carro a menos”, comenta Pablo, acrescentando que a postura dos motoristas não profissionais é igual.

Vítima de um acidente causado por um ônibus que bateu a lateral no guidom da sua bicicleta, o ciclista não teve ferimentos graves, mas ficou abalado psicologicamente e teve perdas financeiras com o dano na sua bicicleta. Ele cogitou acionar a Justiça, pois não encontrou nenhum suporte da empresa de ônibus, mas acabou desistindo diante das muitas dificuldades.

Pablo acha oportuna a escolha dos temas do Maio Amarelo, pois percebe o respeito pelos outros elementos do trânsito como ponto central. “O próprio Código Brasileiro de Trânsito tem uma hierarquia de prioridades, onde o pedestre é a primeira prioridade, depois vem o ciclista, depois o motociclista, depois vem o carro. Se eu estou na posição abaixo, eu me responsabilizo pela posição acima”, conclui.

Vítima de dois acidentes, um como pedestre e outro como condutor de carro, o pescador Aristóteles Jorge Cure Pontes, 59, concorda que falta responsabilidade dos motoristas, mas também rigor nos exames para habilitação. “É muita barbeiragem, o pessoal não sinaliza, não respeita o pedestre, um local de passagem, vão de qualquer jeito”, diz.

As duas situações citadas por Aristóteles ocorreram nos últimos 18 meses e, em ambas, ele aponta que houve imprudência do condutor. No atropelamento, o carro estava com velocidade acima do permitido, e no segundo acidente, o motorista da carreta pegou no sono e arrastou seu veículo por cerca de mil metros. Por sorte, ele não teve ferimentos graves em nenhum dos casos.

INTERNAMENTO DE VÍTIMA CUSTA R$ 1,3 MIL AO SUS

O internamento de uma vítima de acidente de trânsito no SUS (Sistema Único de Saúde) custa em média R$ 1.292,03 e dura em média 5,6 dias, conforme dados divulgados pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). A compilação indica que, apenas em 2019, esses acidentes provocaram 11.518 internações graves na rede pública baiana, o que implicaria num custo total de pelo menos R$ 14,9 milhões.
“Quando ocorre um acidente há também a formação de custos econômico-financeiros, com impactos na renda das famílias, no orçamento público dos governos e para a sociedade em geral. Para as famílias atingidas, além dos gastos com medicamentos e tratamento, há também uma renda que deixa de ser auferida pelas vítimas que estejam ativas no mercado de trabalho”, comenta Jadson Santana, técnico da Coordenação de Estatística da SEI. 
Segundo divulgação da SEI, a taxa de óbito das internações decorrentes dos acidentes de transporte terrestre foi de 2,2 por 1.000 em 2019. Já a taxa geral de mortes, envolvendo internação ou não, ficou em 15,5 ocorrências a cada 100 mil baianos, uma redução significativa em comparação com as 20,1 mortes por 100 mil registradas em 2012, ano de implementação da Nova Lei Seca.
A SEI aponta que entre 1996 e 2019, 80% das pessoas mortas por acidente de trânsito na Bahia eram homens e 53,9% tinham entre 20 e 44 anos. A análise também indicou que o mês de dezembro é o que mais concentra acidentes, com 9,4% do total. Uma mudança significativa entre os dois extremos do período foi o aumento da presença dos motociclistas como vítimas, passando de 19,1% para 31,3% e ocupando o primeiro lugar entre os grupos integrantes do trânsito. Fonte: Portal A Tarde.