A Polícia Federal prendeu o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, da 5ª vara de Substituições da Comarca de Salvador. A prisão ocorreu na manhã deste sábado (23), em um desdobramento da Operação Faroeste, deflagrada na última terça-feira (19), que afastou o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e mais cinco desembargadores.
O juiz Sérgio Humberto e os outros magistrados são investigados no suposto esquema de venda de decisões judiciais, além de corrupção ativa e passiva, lavagem de ativos, evasão de divisas, organização criminosa e tráfico de influência no estado.
De acordo com a Polícia Federal, o mandado de prisão temporária do juiz foi expedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sérgio Humberto de Quadros Sampaio estava afastado do trabalho desde a última terça-feira. A prisão é válida por cinco dias.
O juiz José Valter Dias, que também está afastado do cargo desde o início da operação, também teve um mandado de prisão temporária expedido neste sábado pelo ministro Og Fernandes.
Segundo a decisão do STJ, essas duas prisões só foram decretadas agora porque os dois suspeitos não foram encontrados durante as buscas realizadas na última terça-feira. O ministro Og Fernandes destaca que a medida foi necessária para preservar a investigação e evitar fugas. José Valter Dias não foi localizado pela polícia.
O G1 não conseguiu contato com a defesa do juiz preso neste sábado até a última atualização desta reportagem.
Operação Faroeste
Quatro advogados já tinham sido presos e 40 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em quatro cidades baianas e em Brasília. As prisões são temporárias e têm duração de cinco dias. Neste sábado, o STJ determinou a prorrogação dessas prisões por mais cinco dias.
Os mandados foram expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e houve bloqueio de bens de alguns dos envolvidos na investigação sobre legalização de terras no oeste baiano, no total de R$ 581 milhões.
Segundo o STJ, o grupo integra uma organização criminosa. Os afastamentos dos magistrados valem por 90 dias.
Na última quarta-feira (20), a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) instaurou procedimento contra os magistrados do TJ-BA.
Foram afastados:
- Gesivaldo Britto, desembargador presidente do TJ-BA;
- José Olegário Monção, desembargador do TJ-BA;
- Maria da Graça Osório, desembargadora e 2ª vice-presidente do TJ-BA;
- Maria do Socorro Barreto, desembargadora e ex-presidente do TJ-BA (2016-2018);
- Marivalda Moutinho, juíza de primeira instância
Foram presos:
- Sérgio Humberto Sampaio, juiz de primeira instância
- Adailton Maturino dos Santos, advogado que se apresenta como cônsul da Guiné-Bissau no Brasil
- Antônio Roque do Nascimento Neves, advogado
- Geciane Souza Maturino dos Santos, advogada e esposa de Adailton Maturino dos Santos
- Márcio Duarte Miranda, advogado e genro da desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago
Eleições adiadas
Após a operação, a eleição para escolha do novo presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que estava marcada para ocorrer na última quarta-feira, foi adiada.
Ainda não há previsão de quando a eleição deve ocorrer. Como os desembargadores da corte só se reúnem às quartas-feiras, a nova data só deve ser definida na sessão da semana que vem, no dia 27 de novembro, segundo informações do TJ-BA.
Os desembargadores José Olegário Monção Caldas e Maria da Graça Osório Pimentel Leal, dois dos que foram afastados dos cargos, se inscreveram para concorrer ao cargo de presidente do TJ-BA.
Juízes substitutos
O TJ informou ainda que, “quanto aos processos dos desembargadores afastados, o regimento interno prevê a substituição automática dos desembargadores” e que, por conta disso, “não haverá prejuízo às partes”.
Dois juízes substitutos foram convocados para assumir temporariamente os cargos dos desembargadores José Olegário Monção e Maria do Socorro Barreto Santiago.
Ministro vê ‘organização criminosa’
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes apontou a existência de uma organização criminosa para recebimento de propina, venda de decisões judiciais e grilagem de terras envolvendo a cúpula do Judiciário na Bahia.
Conforme a decisão que autorizou as buscas, prisões e afastamentos, o inquérito foi inicialmente aberto para apurar a possível venda de sentença no Tribunal de Justiça, em 2013 e 2014, pelos desembargadores Maria da Graça Osório e Gesivaldo Britto, hoje presidente do TJ-BA.
No entanto, conforme o Ministério Público Federal (MPF), a análise de dados telefônicos e bancários obtidos com autorização judicial revelou “uma teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ-BA, bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do estado, em um esquema de venda de decisões para legitimação de terras no oeste baiano, numa roupagem em que se tem em litígio mais de 800 mil hectares”.
Segundo o processo, a área citada é cerca de dez vezes a capital do estado, Salvador.
Conforme o pedido do MPF de prisões, afastamentos e buscas, as medidas seriam “o único meio de debelar mecanismo de dissimulação e ocultação das eventuais vantagens”.
O ministro Og Fernandes, relator do caso, considerou que há “elementos de convicção harmônicos e coerentes entre si” para a autorização da medidas.
Segundo o ministro, o esquema consiste na atuação de advogados e servidores como intermediadores de decisões vendidas por juízes e desembargadores da Bahia, a fim de realizar um gigantesco processo de grilagem na região do oeste baiano, com o uso de laranjas e empresas.
Um único cidadão, o borracheiro José Valter Dias, tornou-se o dono de uma fazenda de 360 mil hectares, cinco vezes a área de Salvador, apontam as investigações.
A suposta grilagem foi alvo de apuração no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O caso teria a participação da empresa JJF Holding, com capital de R$ 581 milhões, na qual José Valter Dias tem 5% do capital.
A desembargadora Maria da Graça Osório teria dado liminar para favorecer a empresa por R$ 1,8 milhão. Um homem que revelou a operação, diz o processo, teria sido executado à luz do dia.
“O que se pode perceber pelas informações contidas nos autos e pelas informações do MPF é que se vislumbra a possível existência de uma organização criminosa, na qual investigados atuaram de forma estruturada e com divisão clara de suas tarefas para a obtenção de vantagens econômicas por meio da prática, em tese, dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro”, disse o relator Og Fernandes.
Falso cônsul
Um dos principais suspeitos no esquema, o empresário Adailton Maturino, cuja esposa detém cerca de metade das ações da JJF Holding, é apontado como o idealizador do esquema no TJ da Bahia.
Maturino se apresenta falsamente como cônsul da Guiné-Bissau e juiz aposentado, segundo o processo. Ele tem 13 CPFs em seu nome e relações com o borracheiro que se tornou “de forma repentina” dono de uma terra imensa na Bahia.
A embaixada, segundo o ministro Og Fernandes, chegou a emitir ofício qualificando Adailton como diplomata e cônsul honorário. Mas, o Ministério das Relações Exteriores informou que o governo brasileiro “não autorizou, em qualquer momento”, a designação dele como agente diplomático.
“É falsa a informação contida nos ofícios (…) enviados pela embaixada de Guiné-Bissau no Brasil”.
De 2013 a 2019, Adailton Maturino teria movimentado R$ 33 milhões sendo que não se comprova a origem de R$ 14 milhões. Diálogos mostram, segundo a decisão, “uma enormidade de gastos” de Adailton com festas e luxos, incluindo contratação de shows de cantores famosos.
“O MPF argumenta que Adailton sentou-se na primeira fileira na posse de Gesivaldo Britto na presidência do TJBA”, diz o processo.
O que dizem os envolvidos
Em nota enviada no dia da operação, o TJ-BA informou que tinha sido surpreendido com a ação e que ainda não tinha acesso ao conteúdo do processo. Segundo o comunicado, a investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do TJ-BA serão prestadas, posteriormente, com base nos Princípios Constitucionais.
Ainda na nota, o órgão informou que o 1º vice-presidente, desembargador Augusto de Lima Bispo, assumiu a presidência da Casa temporariamente, seguindo o regimento interno.
A desembargadora Socorro disse que viu com perplexidade a operação desencadeada às vésperas da eleição para presidente do tribunal. De acordo com a nota, o afastamento de quatro desembargadores, às vésperas do pleito, será obviamente decisivo para o destino político do tribunal.
“A incompreensão é ainda maior porque o Conselho Nacional de Justiça arquivou, mês passado, apuração com objeto idêntico que foi também acompanhada pela Polícia Federal e pelo STJ, constatando que o patrimônio de Socorro é integralmente compatível com sua renda”, diz a defesa de Socorro.
A defesa da desembargadora disse que colaborará para esclarecer qualquer dúvida do STJ.
A defesa do advogado Márcio Duarte disse, por meio de nota também enviada no dia da operação, que “se mostra perplexa com a medida extrema de decretação da prisão temporária do mesmo, uma vez que não fora convocado por qualquer autoridade investigante para tecer explanação acerca do fatos que desencadearam a Operação Faroeste”.
Afirmou, ainda, que acredita na “retidão e na conduta ilibada do Dr. Márcio Duarte e estaremos adotando todas a medidas necessárias para provar que o mesmo não possui envolvimento em atividades ilícitas”.
A reportagem do G1 entrou em contato com a defesa dos demais presos e dos magistrados afastados, mas até a última atualização desta reportagem, não obteve resposta. Informações do G1 Bahia.