A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou nesta quarta-feira (29) ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra o senador Fernando Collor de Mello (Pros/AL) pelo crime de peculato. O parlamentar licenciado é acusado de atuar para que a BR Distribuidora firmasse contratos com a empresa Laginha Agro Industrial, de propriedade do também alagoano João Lyra, com quem Collor mantém relações políticas, de amizade e familiares. As investigações revelaram que o crime foi praticado em 2010, ano em que Collor e Lyra eram filiados ao PDT e disputaram os cargos de governador e deputado federal, respectivamente. Na denúncia, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, destaca a existência de provas segundo as quais, os contratos, que renderam ao empresário R$ 240 milhões, contrariaram regras da companhia, ignoraram o fato de a empresa de João Lyra estar em crise financeira e ainda tiveram tramitação atípica e excepcional.
De acordo com a denúncia, em junho de 2010, João Lyra pediu ajuda ao senador, que agendou e acompanhou o empresário em uma reunião na sede da BR Distribuidora, no Rio de Janeiro. Na oportunidade, os dois relataram dificuldades financeiras decorrentes de enchentes que teriam atingido o estado e destruído parte do parque industrial da usina. A proposta apresentada pelo senador e pelo empresário era o fechamento de um contrato para a compra de safra futura de álcool no valor de R$ 1 bilhão. “Tal proposta, contudo, foi considerada inviável pelos funcionários da BR Distribuidora S.A., pois a empresa não realizava o modelo de negócio compra de safra futura de álcool de forma antecipada, por ter, no passado, sofrido prejuízos decorrentes da inadimplência de usineiros nesse tipo de contratação”, destaca trecho da denúncia.
Ainda conforme as provas reunidas no inquérito, o então presidente da BR Distribuidora, que estava presente à reunião, assegurou ao senador que seria encontrada alternativa para o pedido, o que acabou sendo viabilizado por meio de três contratos, negociados e firmados em tempo recorde. O primeiro foi assinado em 9 de julho, apenas dez dias após a reunião na sede da BR Distribuidora. José Zônis, então diretor de operações logísticas da companhia estatal – indicado por Fernando Collor de Mello para o cargo – foi apontado por testemunhas como um dos principais executores das contratações firmadas com a pessoa jurídica Laginha Agro Industrial.
Na denúncia, a procuradora-geral menciona depoimento do ex-coordenador de aquisição de álcool da BR Distribuidora para as regiões Norte e Nordeste. Ele relatou que, após a reunião com Fernando Collor, José Zônis solicitou aos subordinados que o contrato fosse elaborado e aprovado de forma rápida, desprezando aspectos técnicos da operação. Os contratos permitiram que o empresário utilizasse os chamados recebíveis como garantia para a abertura de crédito junto a instituições financeiras públicas e privadas e à própria BR Distribuidora. Também garantiram o fornecimento de diesel e lubrificantes à empresa, naquele momento, em situação falimentar, e ainda geraram um contrato mútuo em dinheiro, no valor de R$ 5 milhões.
Falta de garantias – Na denúncia, Raquel Dodge destacou que, no momento em que foram aprovados o segundo e o terceiro contratos, a BR Distribuidora ignorou recomendação constante de parecer jurídico para que se exigissem garantias mais sólidas ou mesmo que se levasse em conta o fato de a companhia já ser credora da empresa de João Lyra. “Pelas circunstâncias em que foram celebrados e executados, conclui-se que os negócios jurídicos firmados, e de alto risco para a BR Distribuidora S.A. eram, na verdade, espécie de instrumento para a apropriação e o desvio de recursos em proveito da Laginha Agro Industrial S.A e de seu proprietário João Lyra, graças à participação delituosa do senador da República Fernando Collor de Mello”, pontua outro trecho da denúncia.
Para exemplificar a irregularidade das transações, a PGR explica que, naquele momento, a empresa era alvo de 6.914 protestos de dívidas, que somavam R$ 72,7 milhões. Também respondia a ações de cobrança no valor de R$ 175,4 milhões e era objeto de seis pedidos de falência realizados entre maio de 2008 e junho de 2009, indicando alta classificação de risco pelo Serasa. Conforme evidencia a denúncia, o nível de endividamento da empresa foi apontado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – onde o senador não possuía influência política – para negar pedido de empréstimo. “Apenas o poder do senador Fernando Collor e seu exercício sobre os funcionários da BR Distribuidora S.A. justificam a superação de obstáculos intransponíveis para que fossem firmados contratos com a empresa Laginha Agro Industrial S.A. e abertos os canais para que fluíssem recursos em favor desta pessoa jurídica e de seu sócio, João Lyra”, explica Raquel Dodge na peça.
As investigações apontam ainda que o contrato foi o único firmado pela BR Distribuidora nas condições atípicas apuradas no inquérito, o que evidenciaria ainda mais a característica incomum da negociação no quadro de financiamentos concedidos pela estatal. Na denúncia constam provas de que a Laginha Agro Industrial não cumpriu os contratos, gerando prejuízo milionário à BR Distribuidora. Apesar das medidas de cobrança adotadas, a recuperação dos valores tornou-se praticamente impossível em razão da decretação de falência da empresa, o que ocorreu em 2012.
Em relação aos demais envolvidos no esquema que garantiu a viabilização dos contratos fraudulentos, incluindo o empresário João Lyra e o diretor da BR Distribuidora José Zônis, a investigação continua em andamento na 13ª Vara Federal da Justiça Federal em Curitiba. A medida deve-se a uma ordem para o desmembramento do caso, determinada pelo relator do inquérito, o ministro Edson Fachin.
Denúncias Lava Jato – A denúncia contra o senador Fernando Collor de Melo é a décima apresentada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no âmbito da Operação Lava Jato ao Supremo Tribunal Federal. Ao todo, 37 pessoas foram denunciadas pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e peculato. Em quatro casos, a ação foi remetida à primeira instância após perda de foro dos envolvidos ou em decorrência do entendimento mais restritivo da aplicação do instrumento, adotado em maio de 2018 pelo STF (Questão de Ordem 937). Outras quatro denúncias aguardam deliberação da Suprema Corte quanto ao recebimento. Um dos casos – o que envolve o ex-ministro Geddel Vieira Lima e o irmão, o ex-deputado federal Lúcio Vieira Lima – está em fase final de tramitação.
Fonte: MPF