São João atípico de 2020 gera preocupação para economia e cultura

Em meio a grave crise na cultura provocada pelas medidas de combate ao novo coronavírus, está o São João. Manifestação cultural típica do Nordeste e uma das mais aguardadas na região, a festa aberta, repleta de grandes atrações, acabou sendo cancelada na Bahia pelo governador Rui Costa no dia 28 de abril.

A mesma decisão já foi tomada também em outros estados que também vivem a tradição, como por exemplo, Pernambuco e Paraíba. Após o anúncio oficial, a internet ficou lotada de mensagens e manifestações de todos os tipos, vindo de pessoas que entendiam a determinação, mas que lamentavam a falta das festividades públicas.

“Até o meado, final de março, a gente ainda estava com uma esperança muito forte de que podia acontecer. A partir do dia 20, formamos um grupo com uns 16 municípios que tem muita tradição como Amargosa, Santo Antônio, Irecê e Senhor do Bonfim, para tomar uma decisão conjunta porque já estávamos começando a ficar preocupados, aguardando o posicionamento do governo do estado”, conta o prefeito do município baiano de Cruz das Almas, Orlando Peixoto.

Considerado um dos destinos mais procurados de São João na Bahia, segundo Orlando, Cruz recebeu cerca de 100 mil visitantes durante as comemorações no ano passado. Para a economia local, baseada principalmente na agricultura familiar que produz as comidas e bebidas típicas da época e nos demais comerciantes da própria cidade, um número de aproximadamente R$ 30 milhões deve ter circulado no período.

A programação, que valoriza o forró e inclui a apresentação de artistas locais de dia, e shows mais elaborados à noite, nunca havia sido cancelada antes. “É lamentável para todos nós porque as pessoas ficam na expectativa do grande momento das cidades pequenas que é o São João. O humor das pessoas, até as roupas, começam a mudar, tudo isso aguardando a festa, que esse ano tristemente não vem”, lamenta o prefeito.

Prefeito de Cruz das Almas, Orlando Peixoto, diz que o cancelamento de São João causou tristeza na população | Foto: Paulo Galvão Filho | Ascom PMCA
Prefeito de Cruz das Almas, Orlando Peixoto, diz que o cancelamento de São João causou tristeza na população | Foto: Paulo Galvão Filho | Ascom PMCA

Figurinha carimbada no São João em todo o Nordeste, incluindo também o da própria cidade de Cruz das Almas, o cantor e compositor baiano Adelmário Coelho é mais um dos artistas que tiveram shows cancelados em todo o país. Em quase 26 anos de carreira, esta será a primeira vez que o forrozeiro não vai se apresentar durante a festa.

“É uma situação inédita, ficou completamente fora do imaginável. Eu que sou um militante dessa cultura, pela primeira vez não vou poder levar nossa alegria para tantas pessoas que me acompanham ao longo dessa carreira. É uma situação que só se procura compreender diante de um cenário tão grave como esse, onde você não pode ignorar as autoridades de saúde”, diz a voz de grandes sucessos como “Ô neném”, “Anjo querubim” e “Amor não faz mal a ninguém”.

Assim como outros colegas da música, Adelmário conta que também vem aderindo às lives para matar a saudade dos fãs, e claro, contribuir com os grupos mais afetados pela pandemia, dentre eles, o formado por artistas locais e toda a cadeia produtiva das pessoas que trabalham com shows. Na hora de doar as toneladas arrecadadas na apresentação virtual, ele escolheu beneficiar profissionais ligados ao ritmo que tanto ama através da Asa Branca – Associação Cultural dos Forrozeiros da Bahia.

Segundo o cantor, a live já se tornou uma verdadeira tendência, que deve continuar mesmo depois da pandemia, configurando um novo formato de vídeo. No entanto, ele destaca que o recurso ainda não tem gerado retorno financeiro, principalmente para a equipe técnica dos artistas, já que o momento requer a limitação de pessoas na gravação.

“A live tem uma vantagem que permite a projeção do seu trabalho para o mundo e isso é uma luta diária do artista, buscar espaços, poder levar sua voz o mais longe possível. Mas hoje, temos um cenário em que o inimigo está ali do lado, temos que levar em consideração a circunstância, então não dá para fazer grandes produções, tem que estar limitado a simplicidade que a situação requer e limitar da equipe”, afirma.

Será a primeira vez que o forrozeiro Adelmário Coelho não irá se apresentar na festa junina | Foto: Divulgação
Será a primeira vez que o forrozeiro Adelmário Coelho não irá se apresentar na festa junina | Foto: Divulgação

Transferência de data

De autoria do deputado estadual Marcell Moraes (PSDB), tramita na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), um projeto de lei que sugere a transferência da comemoração do São João para o dia 12 de dezembro. Desde o lançamento, a proposta tem gerado opiniões diversas: de um lado, há quem comemore a iniciativa devido ao amor pela festa, do outro, a cautela com a situação de saúde e financeira dos municípios baianos.”

É lamentável para todos nós porque as pessoas ficam na expectativa do grande momento das cidades pequenas que é o São JoãoOrlando Peixoto, prefeito de Cruz das Almas

O prefeito Orlando diz que não é favorável a proposição devido a proximidade com o Natal e do seu próprio significado, além da falta de perspectiva com relação à economia e ao processo eleitoral de prefeitos e vereadores que em tese, deve ocorrer ainda este ano.

“Eu não sou favorável a fazer um São João fora de época, é temporâneo, não combina com a cultura. Eu particularmente acho que em qualquer mês de 2020, todos os municípios e o país como um todo, estará passando por uma crise econômica, não vai ter fôlego para fazer. Acho que os próprios órgãos de controle vão recomendar que não faça, além de que esse ano é de encerramento de contrato, ninguém sabe nem como vai ser a eleição, pode estar ocorrendo justamente nesse período”, explica.

Já Adelmário fala que a celebração de um São João fora de época pode ser uma saída para amenizar os prejuízos econômicos de todos os grupos que dependem da festa para gerar renda.

“O que se tem pedido é que se pense em um segundo cenário, exatamente para dar uma amenizada nessa cadeia produtiva que depende das festas juninas, que são milhões de pessoas, a nível nordeste e uma parte do país. O forrozeira e a forrozeira e as pessoas que vivem dessa cultura entre maio e junho, a economia se torna vital para todos nós. O que nós pedimos? Vamos fazer um São João fora de época, não se agride totalmente em nada”, defende.”

É uma situação que só se procura compreender diante de um cenário tão grave como esse, onde você não pode ignorar as autoridades de saúdeAdelmário Coelho

Enquanto a resposta definitiva não vem, a saída para os apaixonados pelo São João é esperar e tentar viver a comemoração de casa, seguindo as recomendações dos órgãos de saúde. Conforme Orlando, a prefeitura de Cruz das Almas está analisando a possibilidade de ao menos fazer algum tipo de homenagem mais singela à época, que é tão importante para a cidade, porém, ainda não sabe se será possível.

“No ano passado se apresentaram 34 bandas e 15 manifestações culturais. As orientações dos órgãos de controle é que os municípios não gastem nenhum recurso com festa. Não tem como fazer uma homenagem sem custo. Se você tiver um custo para fazer algo relacionado ao São João, pode ser notificado. É uma pena”, lamenta Orlando.

Por iniciativa própria, Adelmário Coelho já garantiu que ao menos sem o show virtual dele, os fãs não vão ficar. “Faremos no mês junino algumas lives especiais”, prometeu. Outro gigante do forró, o cantor Zelito Miranda, também já garantiu que irá fazer um arrasta-pé online, entre os dias 20 e 25 de junho, diretamente do quintal da sua casa, em entrevista ao programa Isso é Bahia, na rádio A TARDE FM. Para a comemoração deste ano, a tão tradicional festa junina, terá que ser mais moderna e reinventada do que nunca, dentro de casa e sem aglomerações. Informações do Portal A Tarde.

Festa de Cruz das Almas é uma das mais frequentadas no estado | Foto: Paulo Galvão Filho | Ascom PMCA
Festa de Cruz das Almas é uma das mais frequentadas no estado | Foto: Paulo Galvão Filho | Ascom PMCA