Sem trégua para o consumidor, conta de energia terá alta significativa em 2021

Foto: Beth Santos/ Secretaria-Geral da PR

Em meio a uma pandemia, que ceifou quase 240 mil vidas e acabou com a fonte de renda de milhões de pessoas, os brasileiros ainda precisam lidar com a disparada do preço da energia. A eletricidade, vital para quase todas as atividades, e os combustíveis, essenciais para o trânsito de pessoas e de produtos, pesam cada dia mais no bolso dos consumidores. No início da semana passada, a Petrobras anunciou o terceiro aumento da gasolina no ano e o segundo, do diesel. No sábado, houve repasse das distribuidoras no valor do etanol anidro, que compõe 27% da gasolina vendida nas bombas. Amanhã, o combustível ficará R$ 0,10 mais caro nos postos do Distrito Federal por conta da revisão na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Os preços dos combustíveis são o pivô de um embate entre o Palácio do Planalto, governos estaduais, Petrobras, refinarias, distribuidoras e postos. Cada um dos elos da cadeia atribui a responsabilidade aos demais. Nas refinarias da Petrobras, a gasolina acumula aumento de 22% em 2021, e o diesel, alta de 10%.

O reajuste para o consumidor, no entanto, é bem maior, por conta do etanol e dos tributos. Conforme o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis do Distrito Federal (Sindicombustíveis-DF), Paulo Tavares, as distribuidoras repassaram o aumento do biocombustível . “O litro passou de R$ 2,47 para R$ 2,85, alta de R$ 0,38, que irá impactar em mais R$ 0,10 na gasolina”, calcula.

Tavares alerta, ainda, que, a cada 15 dias, a base de cálculo da alíquota do ICMS, que varia conforme o estado, é revisada. “Na segunda-feira passada houve aumento de R$ 0,16 na refinaria. E na terça-feira de carnaval, terá mais uma alta de R$ 0,10 referente ao ICMS”, diz. “Quando há reajuste da Petrobras, o aumento chega maior do que o anunciado, pois os postos não compram de refinarias e sim de distribuidoras, que ainda acrescentam seus custos”, justifica Tavares. As revendas, por sua vez, acrescentam sua margem de lucro.

Segundo a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis (Fecombustíveis), as margens brutas da gasolina e do diesel, na revenda, são de 9,8%. Para a entidade, o que mais encarece os combustíveis, no Brasil, são os impostos. “Mais do que nunca é necessário fazer a reforma tributária no país. A Fecombustíveis entende que a unificação das alíquotas do ICMS e o combate à sonegação fiscal devem ser as prioridades para minimizar a evasão fiscal e aprimorar o sistema tributário.”

Carlo Faccio, diretor geral do Instituto Combustível Legal (ICL), explica que o setor de combustíveis arrecada, anualmente, mais de R$ 135 bilhões em tributos. Em alguns estados corresponde a mais de 25% do total da arrecadação de ICMS. “Como 45% do preço final são impostos, qualquer distorção quanto ao não pagamento destes tributos provoca desvios de concorrências e tirar as empresas leais do mercado.”

Pressão
Pressionado pelos caminhoneiros, que ameaçaram uma greve no início do mês, o governo federal anunciou mudanças na tributação dos combustíveis. Na sexta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou, ao Congresso, projeto de lei complementar (PLP) que visa estabelecer alíquota uniforme e específica do ICMS para combustíveis. Segundo o Planalto, a medida dispõe que os estados e o Distrito Federal disciplinarão as diretrizes do PLP, mediante deliberação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), no prazo de 90 dias.

Pela proposta do governo, o imposto caberá ao estado onde o produto for consumido. “O objetivo da medida é estabelecer, em todo o país, uma alíquota uniforme e específica. Com isso, o ICMS não irá variar mais em razão do preço do combustível ou das mudanças do câmbio”, diz a nota do Planalto. Se houver um aumento do tributo, o novo valor somente entrará em vigor após 90 dias, “o que dará mais previsibilidade ao setor”.

Renato Aparecido Gomes, advogado tributarista da Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, lamenta que o governo não trate a questão de frente. “O governo age sempre no afogadilho, com propostas reativas, em atenção a um problema específico. Não encara a reforma tributária, prefere puxadinhos e remendos, como está ocorrendo agora com os combustíveis”, afirma. No caso do ICMS, avalia o especialista, o governo federal quer invadir a competência dos estados. “Com relação aos tributos federais PIS/Cofins, o governo poderia baixar a alíquota por decreto. Mas isso ele não quer”, assinala.

Para o coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Rodrigo Leão, a questão não é apenas tributária. “De maio de 2020 a fevereiro de 2021, o preço médio da gasolina subiu R$ 0,60. Nesse período, o ICMS aumentou entre R$ 0,05 e R$ 0,06”, compara. A política de preços da Petrobras é de Paridade de Preços de Importação (PPI), que leva em conta o barril de petróleo e o câmbio.

“Como o ICMS incide sobre o preço na bomba, quando o valor aumenta, o imposto arrecada mais. Se fosse um preço fixo, não teria essa retroalimentação. Mitigaria, mas isso não atacaria o problema central”, avalia. Segundo Leão, o Brasil produz petróleo e poderia aliviar o bolso dos brasileiros, a exemplo do que fazem outros países produtores da commodity. “Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes ganham nas exportações quando o valor aumenta, por isso subsidiam o preço no mercado interno”, sustenta.

Fatura pesada

Não dá nem para pegar fôlego, porque a fatura de energia elétrica também vai pesar este ano. O aumento pode ser de mais de 13%, admite o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone. Estimativas da empresa do setor elétrico TR Soluções, no entanto, calculam alta média no país de 14,5% e de até 21,2% no Centro-Oeste.

Para piorar, o regime de chuvas do período úmido não é suficiente para recompor os reservatórios das hidrelétricas, e a bandeira tarifária, que costuma ser verde nesta época do ano, sinaliza acréscimo na conta de luz. Além disso, a tarifa sofrerá impacto do início do pagamento da Conta-Covid e da alta do dólar, por conta da energia de Itaipu, comercializada na moeda norte-americana.

Na fatura de energia, também há alta incidência de impostos, sendo que a alíquota do ICMS varia entre 25% e 35% nos estados, e a política de preços inclui uma série de encargos e subsídios na chamada Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), rateada entre todos os consumidores. Segundo o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, 47% da tarifa são tributos e encargos. “Se tem um lugar onde uma penada (decisão de governo) pode fazer muito é nessa metade da conta de luz. O ICMS é o que pesa mais”, ressalta.

Além disso, a energia de Itaipu, que atende os subsistemas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, tem o custo atrelado ao dólar. Só em 2020, a moeda norte-americana valorizou quase 30% ante o real. Este ano, acumula alta de 3,6% (veja mais no quadro).

Segundo Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE), também vai pesar nas contas de energia o empréstimo que as distribuidoras tomaram por meio da Conta-Covid, de R$ 15 bilhões, a ser pago em cinco anos, portanto com R$ 3 bilhões a vencer em 2021. “Também houve aumento nos custos de transmissão, de geração, nos encargos e na CDE. As distribuidoras vão repassar tudo para a fatura, porque as empresas não têm gestão sobre isso. Apenas arrecadam e transferem, ficando com uma pequena parte”, indica. Informações do Correio Braziliense.