Moradores do Quilombo Rio dos Macacos, que fica na região da Base Naval de Aratu, em Simões Filho, voltaram a protestar, nesta quarta-feira (21), contra reintegração de posse da Marinha, que impede acesso a uma barragem que fica no local.
A Defensoria Pública da União recorreu da decisão da Justiça, que concedeu à Marinha a reintegração.
A liminar da Justiça foi expedida por uma juíza plantonista, após pedido da Marinha, que alegou que a área teria sido ocupada irregularmente nos dias 10, 14 e 16 deste mês, pelos quilombolas. A barragem fica na área do Rio dos Macacos, e é a única fonte de água dos moradores.
Em uma nota enviada à imprensa, no domingo (18), quando a liminar foi expedida, a Marinha informou que o local pertence à União e não faz parte da área titulada em favor da associação dos remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos, no mês de julho.
Na decisão, a juíza estabeleceu uma multa, caso os quilombolas acessem a água do rio. Ela também concedeu o pedido de uso de força policial feito pela Marinha, para que a ordem seja cumprida. A pescadora e quilombola Rosilene Souza comentou a situação.
Moradores do quilombo dizem que foram prejudicados. “Eu vivo disso, da pesca. Eu não posso abandonar a pesca. Se a gente for pescar, paga multa. Aí me diga uma coisa: eu vou ter condição de pagar multa? Porque de lá eu não vou sair. Eu vou continuar pescando. Eu vou morrer lutando, mas de lá do rio eu não vou sair”, afirmou uma moradora identificada como Rosilene.
O pescador José Rosalvo Souza, que também mora no quilombo, falou sobre a importância do Rio dos Macacos para a comunidade.
“Esse rio, de geração em geração, já matou muita fome e continua matando muita fome de famílias de moradores da comunidade aqui do Rio dos Macacos”, disse ele.
Em nota enviada nesta quarta-feira (21), a Marinha informou que paga o consumo de uma tomada de água tratada da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) e que uma torneira foi instalada desde abril de 2009, dentro do quilombo, onde é disponibilizada para a comunidade água tratada. O custo desse abastecimento, segundo a Marinha, é R$ 2.862,16, pago pela instituição militar. Ainda de acordo com a Marinha, a água do Rio dos Macacos é destinada ao uso industrial e, portanto, imprópria para o consumo humano.
Defensoria Pública recorre
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com recurso contra a decisão de reintegração de posse de uma área da barragem, na tarde de terça-feira (20). No documento, a defensoria afirma que a área da barragem fica em uma zona limite entre a propriedade da Marinha e dos quilombolas.
No recurso, a DPU constatou aqui que “trata-se de área utilizada pela comunidade, sua legítima possuidora, desde tempos imemoriais, antes mesmo da chegada da Marinha e da construção da barragem, tendo sido objeto de uso compartilhado desde então até os dias de hoje”.
A Defensoria Pública sinalizou, ainda, que a utilização da água tem grande importância para as comunidades tradicionais, não só para o sustento direto, como para a pesca e utilização para beber e afazeres rotineiros, mas também por servir para fins religiosos, tradicionais e até para o lazer.
Ainda no documento, a DPU alega que a Marinha se impôs contra o uso compartilhado da barragem, privando a comunidade de um bem essencial à subsistência.
Disputa antiga
O Quilombo Rio dos Macacos e a Marinha começaram a disputar o território em meados de 1970. O conflito começou depois que a Base Naval de Aratu foi construída e a União pediu a desocupação da área pelos quilombolas.
Em meio à batalha judicial e entre tentativas de desapropriação, no ano de 2009, os quilombolas pediram uma intervenção do Ministério Público Federal (MPF) para provar que eles são remanescentes de povos escravizados e, portanto, tinham o direito de posse das terras.
A situação se arrastou por mais três anos e, só em julho de 2012, o Incra classificou a terra do Rio dos Macacos como uma área quilombola. Um relatório técnico foi emitido constatando que a comunidade era centenária e estava no local antes da chegada da Marinha.
O próximo passo seria o reconhecimento das terras pelo próprio Incra e o pedido de certificação da Fundação Cultural Palmares, mas a Marinha entrou com processo judicial e pediu a desocupação do quilombo, dias depois do relatório e a classificação do Incra.
O pedido foi acatado pela Justiça, em agosto de 2012, que determinou que 46 famílias quilombolas saíssem do local, sob pena de retirada compulsória. No mesmo período, a União fez uma proposta para que o Quilombo Rio dos Macacos mudasse de lugar, o que não avançou. Na época, o então ministro da Defesa, José Genoíno, disse que “O Brasil não vai abrir mão da Base Naval de Aratu”.
Já em 2014, o Incra fez a delimitação das terras dos quilombolas, mas somente três anos após emitir o relatório técnico de que a comunidade era centenária, o instituto reconheceu que a área ocupada era um quilombo. As terras só foram tituladas para as famílias quilombolas em julho de 2020. Informações do G1.