No dia que o mundo completou quatro milhões de infectados, com 279 mil mortos pelo coronavírus, 22 atletas de altíssimo nível trouxeram entretenimento, competição.
E, mais do que tudo, esperança.
A vitória não foi de Dana White.
Nem de Donald Trump.
Mas a realização do histórico UFC 249, ao vivo, em plena pandemia, foi a materialização do futuro, da vontade de sobreviver.
Situação inimaginável para um esporte violento como o MMA, com a troca de socos, joelhadas, pontapés trouxesse alívio.
Por cerca de seis horas, dezenas de milhões de pessoas em cerca de 170 países, puderam se esquecer da pandemia e focar na televisão, no computador, no tablet, no celular.
E acompanhar uma competição ao vivo.
O UFC 249 mostrou é possível haver esporte, mesmo neste momento. Serviu como laboratório para a Champions League, NBA, NFL.
Futebol, basquete, futebol americano podem acontecer com o máximo de cuidado.
Com sacrifício.
Examinando e isolando os atletas, árbitros, todos os envolvidos no evento.
E enfrentar a realidade: não contar com público.
A ganância e o oportunismo de Dana White junto com o desviar de foco de Donald Trump sobre os Estados Unidos ser o epicentro do coronavírus, foram meros efeitos colaterais.
A sensação de uma noite normal que um ginásio de Jacksonville, na Flórida, trouxe ao mundo, não tem preço.
O escapismo do esporte teve motivação nobre: travar a angústia, o medo.
Como prêmio, a grande maioria das lutas foi sensacional.
A começar pela surpreendente vitória de Justin Gaethje sobre o grande favorito Tony Ferguson, por nocaute aos 3m39 do quinto assalto.
E tomou não só seu cinturão interino dos leves, mas como a sonhada chance de ter pela frente o russo Khabib Nurmagomedov, que não esteve no octogono porque não pôde deixar a Rússia.
O país está isolado por conta do coronavírus.
Ferguson não perdia desde 5 de maio de 2012.
Há oito anos.
O resultado veio de uma espetacular reviravolta.
Graças à estratégia, aos neurônios, à tática de Gaethje, que não foi apenas truculência, como se esperava.
Nos dois primeiros assaltos, Ferguson, com sua inquietante movimentação e confiança, se impunha ao desafiante, que era quarto no ranking.
No final do segundo assalto, um sensacional uppercut, soco de baixo para cima, fez Gaethje balançar. Acabou salvo pelo gongo.
O golpe acabou por decidir a luta.
Porque no terceiro assalto, Ferguson entrou confiante demais. E acabou exposto a chutes baixos que minaram sua movimentação.
Certeira estratégia.
Fixo, foi alvo dos potentes socos de Gaethje.
O quarto assalto acabou reservando uma sucessão de diretos e cruzados que fizeram Ferguson, literalmente, correr, fugir do rival.
Ele sabia que estava perdendo a luta. Mas queria ao menos não sofrer o primeiro nocaute da carreira. Mas não houve escapatória.
Os socos inclementes de Gaethje se seguiam, estava nocauteado em pé. Mas não iria desistir. O árbitro Herb Dean acertou em interromper o massacre, pela preservação física de Ferguson.
Se a luta principal foi espetacular, a segunda mais importante, a penúltima do evento, trouxe uma enorme surpresa. Não no resultado. Mas no inesperado anúncio do vencedor e campeão dos galos, Henry Cejudo.
Depois de dominar e vencer Dominick Cruz, com uma potente joelhada aos 4m58s do segundo assalto, que decretou o primeiro nocaute do ex-campeão, Cejudo anunciou a sua aposentadoria.
“Eu posso ajustar meu jogo. Sou um camaleão, posso fazer qualquer coisa. Tenho um grande treinador, ótimos parceiros de treino e esta foi a minha estratégia. Funcionou. Eu sou implacável. Vou com tudo.
“Sou bobo, brinco, mas sei lutar. Sou o maior atleta dos esportes de combate, vocês têm que me respeitar. Defendi meus cinturões peso-mosca e peso-galo e ainda sou campeão olímpico.
“Quero fazer um anúncio: tio Dana, UFC, obrigado por tudo, estou muito feliz com a minha carreira, tenho 33 anos, treino desde os 11 e quero curtir a vida e minha família. Estou me aposentando. Obrigado, tio Dana”, disse, para espanto geral.
Assim como foi assustador e espantoso o nocaute do camaronês Francis Ngannou diante do surinamês Jairzinho Rozenstruik, nos pesados.
Foram necessários apenas 20 segundos para Ngannou mostrou a potência dos seus golpes.
Rozenstruik cometeu um erro técnico gravíssimo. Ao perceber que seu fortíssimo adversário vinha para a trocação, ele tentou um chute baixo. Abriu a guarda. E caiu nocauteado.
No card empolgante, ainda houve a afirmação de Calvin Kattar nos penas, nocauteando com uma cotovelada de encontro, o vivido Jeremy Stephens, aos 2m42s do segundo assalto.
A ajuda dos jurados na vitória do ex-jogador de futebol americano Greg Hardy sobre o cabo-verdiano Yorgan de Castro, por decisão unânime, nos pesados.
Antony Pettis venceu Donald Cerrone, por decisão unânime dos jurados, em um combate de tira o fôlego. De pura trocação. Luta digna de atletas que já tiveram seu auge.
Triste, para os brasileiros, foi a volta de Fabrício Werdum ao octógano. Depois de cumprir suspensão de dois anos e dois meses, por doping, ele foi uma sombra do lutador que era.
Aos 42 anos, enfrentou o russo-ucraniano Alexey Oleynik, exatamente com a mesma idade. Mas que na luta parecia ter dez anos a menos que Werdum. O massacrou nos dois primeiros assaltos, com socos que passavam sem dificuldade pela guarda mal feita.
No terceiro assalto, Oleynik cansou. Werdum teve inúmeras chances para impor sua especialidade, finalizar. Conseguia a posição, mas faltava força, energia.
No final, derrota por pontos.
Werdum precisa pensar a sério no seu futuro. Ele tem uma carreira excelente, foi campeão dos pesados no UFC. Não pode se expor como fez hoje.
Carla Esparza venceu Michelle Waterson por pontos, na luta mais fraca da noite. A única que reuniu mulheres. Faltou combatividade por parte das duas.
Em um violento combate, o meio-médio brasileiro Vicente Luque se impôs diante do norte-americano Niko Price, por conta de uma paralisação médica, aos 3m37 do terceiro assalto. Price estava com o olho esquerdo fechado, por seguidos socos de Luque. Principalmente jabs. E uma sequência de diretos.
Mas a luta foi empolgante, com o norte-americano se impondo na primeira metade do combate. Luque mostrou melhor preparo físico e pegada.
Bryce Mitchell venceu Charles Rosa por pontos. Bryce tem muito futuro. Só não venceu por finalização por forçar o twistter criado pelo brasileiro Eddie Bravo. Precisa ter humildade, que a experiência traz. Se expôs infantilmente a uma derrota.
Ryan Spann venceu Sam Alvey por pontos. Depois de animada trocação, dando início a noite de lutas.
O UFC 249 ficará para a história.
Mas não teve uma luta.
Ronaldo Jacaré não enfrentou Uriah Hall.
Por ser um dos quatro milhões infectados pelo coronavírus.
O entretenimento do esporte ao vivo voltou. Do R7.