Um mês depois da tragédia do Ninho do Urubu com a morte de dez jovens no incêndio no alojamento das categorias de base do Flamengo, a vida das famílias das vítimas mistura expectativa com angústia. Às vésperas de uma nova rodada de negociação com o clube por indenizações, os parentes se comunicam para trocar informações, compartilhar o sofrimento da perda e dividir a difícil tarefa de retomar a vida de onde parou.
Com os telefones celulares nas mãos, os familiares estão reunidos em alguns grupos no WhatsApp. Um deles é o Mães do Ninho. Os integrantes conversam entre si principalmente sobre o acerto a ser realizado com o clube. A primeira proposta apresentada pelo Flamengo foi recusada. Os valores eram de R$ 400 mil para cada família e de um salário mínimo por mês, hoje no valor de R$ 998,00.
Logo depois, em nova tratativa, apenas uma família aceitou a oferta. O nome e os valores não foram revelados. Segundo parentes e pessoas próximas aos jovens mortos que foram ouvidos pelo Estado, na semana que vem novos encontros serão realizados entre as partes, no Rio. Após o Flamengo não conseguir um acordo na mediação coletiva, realizada há 15 dias, o clube tentará acertos individuais com as nove famílias restantes. Os parentes, portanto, não desgrudam do celular. Uma hora o aparelho vai tocar e terá do outro lado da linha o chamado do clube. A ansiedade é grande para resolver a história.
A expectativa pelo acerto mantém o vigilante Damião Paixão longe da cidade onde mora, Lagarto, a cerca de 75km de Aracaju. O sergipano perdeu o único filho, Athila Paixão, que sonhava em ser atacante assim como o conterrâneo mais famoso, Diego Costa, atualmente no espanhol Atlético de Madrid.
“Estou passando essas semanas na casa do meu cunhado, em São Paulo. Não consegui voltar para a minha cidade. Tenho de esperar a poeira baixar”, afirmou. Damião disse que deve se reunir com representantes do Flamengo na próxima semana e terá em Lagarto um acompanhamento psicológico pago pelo clube.
A mulher dele, Diana, o acompanha nessa estadia longe da cidade natal. “Estamos só esperando a sinalização para voltar ao Rio. A primeira proposta não agradou. Ofereceram um valor muito baixo. Está muito difícil acostumar a viver sem meu filho. Minha ficha ainda não caiu”, comentou Damião.
Após enterrar o filho no dia em que ele faria 15 anos, a dona de casa Marília Barros decidiu tatuar o rosto do menino no braço esquerdo, com a camisa do Flamengo. “Eu nunca pensei em fazer tatuagem. Fiz no lado esquerdo porque é o lado do coração e meu filho era canhoto. Eu olho para a imagem dele todos os dias e converso com ela.”
Para a dona de casa Simone Delfino da Silva, restou a missão de representar os parentes de Jorge Eduardo, de 15 anos. Como os familiares moram em Além Paraíba (MG), a prima do garoto morto é quem participa das reuniões e relembra o papel de segunda mãe que fazia no Rio. O menino ia sempre para a casa dela aos fins de semana.
“Ele sempre me dizia que ia ser famoso e me dar uma casa de presente. Minhas filhas eram muito amigas dele e até hoje uma delas me diz que sente falta de conversar com ele antes de dormir”, conta.
A dor da perda é maior ainda porque o garoto inicialmente se salvou da tragédia, mas quis voltar ao contêiner incendiado para resgatar um amigo. “A última atitude dele foi nobre e bonita. Para nós, fica a tristeza pela perda e a decepção de não ter conseguido resolver tudo isso ainda”, diz.
Fonte: Estadão