MPF defende que mudanças na Lei de Improbidade Administrativa propostas por substitutivo podem gerar retrocesso no combate à corrupção

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu nota técnica, nesta quarta-feira (25), na qual analisa a proposta de alteração da Lei de Improbidade Administrativa apresentada por meio de Projeto de Lei Substitutivo pelo relator do processo no Congresso Nacional, deputado Carlos Zarattini (PT/RS), em 21 de novembro de 2020. A NT, elaborada pela Comissão Permanente de Assessoramento para Acordos de Leniência e Colaboração Premiada da Câmara de Combate à Corrupção do MPF (5CCR), detalha 20 pontos considerados críticos na proposta apresentada. De acordo com o texto, as alterações são preocupantes, pois podem fragilizar a persecução de atos de improbidade e fazer o país retroceder no combate à corrupção.

Entre os pontos críticos analisados no documento está a revogação do tipo de improbidade administrativa previsto no artigo 11, da Lei 8.429/1992 (Lei Geral de Improbidade Administrativa). De acordo com a 5CCR, tal medida é inconstitucional e objetiva que somente improbidades administrativas de enriquecimento ilícito e lesão ao erário sejam merecedoras de punição, “deixando de fora vasto campo de condutas graves, que lesionam sobremaneira o bem jurídico tutelado pela lei”, aponta a 5CCR.

O MPF também manifesta preocupação com a exigência de dolo específico como elemento do ato de improbidade administrativa. Para a 5CCR, a proposta pretende restringir o significado da forma dolosa de improbidade, para limitá-la aos casos em que houver comprovação da “vontade específica” de alcançar o resultado ilícito, ou seja, a de obter o enriquecimento ilícito, bem como a de causar prejuízo ao erário. Assim, “a ação de improbidade administrativa só se mostrará viável se, realizado um esforço diabólico, hercúleo ou desproporcional, o autor da ação (Ministério Público) trouxer a “demonstração do dolo”, aponta o documento.

A exclusão de improbidade administrativa em casos de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência ou em doutrina, também foi alvo de críticas na NT. Conforme análise da 5CCR, a proposta pretende criar uma zona de imunidade à responsabilidade. “Condicionar a existência de improbidade para situações em que não há “divergências”, é criar uma barreira generalizante e injustificada que só levantará obstáculos à investigação, apuração e responsabilização dos agentes públicos na aplicação ilegal e ímproba da lei”.

A nota técnica ainda condena a exigência de conhecimento prévio da prática da improbidade pelos representantes legais de pessoa jurídica. Na avaliação da 5CCR, tal exigência se traduz numa “imensa blindagem” à responsabilização da pessoa jurídica. “Exigir demonstração de conhecimento da ilicitude prática, por parte destes órgãos, é uma exigência desproporcional, que não estará ao alcance das autoridades públicas responsáveis pela investigação da improbidade”. O MPF alerta que a corrupção empresarial normalmente não deixa rastros, e é prática “marcada pela clandestinidade e pela ocultação de sua preparação, execução e consumação”.

Benefício direto – Outro ponto crítico trata da exigência de comprovação da obtenção de “benefício direto” de pessoas físicas vinculadas a pessoas jurídicas como pressuposto de responsabilização para casos de improbidade. Na análise, a 5CCR alerta que a proposta original de alteração previa, de forma acertada, a necessidade de individualizar condutas de sócios e cotistas. O substitutivo, no entanto, restringe a imputação de improbidade às pessoas físicas, exigindo demonstração de “participação” e “benefícios diretos” e propondo que essas pessoas responderão nos limites de sua participação no ilícito. “Exigir comprovação de benefícios diretos é desproporcional como critério de responsabilização das pessoas físicas”, aponta o texto.

O MPF afirma que a necessidade de individualização não é sinônimo de detalhamento absoluto da conduta ímproba. Essa exigência pode dificultar a responsabilização dessas pessoas envolvidas em práticas que se realizam como “ilícitos associativos”, além de estar em desacordo com as diretrizes consagradas na Convenção da ONU contra a Corrupção

Comissão Especial – A nota técnica será enviada ao ministro do STJ, Mauro Campbell, presidente da Comissão Especial sobre Improbidade Administrativa (PL 10887/2018), responsável por analisar a proposta e mediar a discussão que culminará no texto final. O documento também será encaminhado ao relator da matéria no Congresso. De acordo com a Comissão Permanente de Assessoramento para Acordos de Leniência e Colaboração Premiada da 5CCR, responsável pela NT, a expectativa do MPF é de que as críticas sejam analisadas e discutidas sob critérios técnicos, de modo a assegurar a continuidade do trabalho de combate à improbidade administrativa conduzido pelo MPF e a segurança jurídica relacionada ao tema.

Íntegra da nota técnica

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República