Depois de mais de 40 anos em disputa territorial, a titulação das terras do Quilombo Rio dos Macacos, que fica em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, foi assinada nesta terça-feira (28), na sede da Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no Centro Administrativo da Bahia (CAB), na capital.
O Quilombo Rio dos Macacos disputava o território com a Marinha, desde meados de 1970. O conflito começou depois que a Base Naval de Aratu foi construída e a União pediu a desocupação da área pelos quilombolas.
“Essa titulação nos dá mais empoderamento, além daquilo que a gente já entendia que era um direito da gente. É a nossa carta de alforria assinada”, disse o pescador e quilombola José de Souza, que vive na comunidade do Rio dos Macacos.
As terras, que agora são de propriedade do quilombo têm 98 hectares e fica na cidade de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. Essa foi a primeira titulação de terras na Bahia, segundo o defensor público federal André Porciúncula, que participou da cerimônia de assinatura.
“Somos uma comunidade carente, desde o passado até hoje. A gente nunca teve nada, porque a Marinha nunca deixou a gente ter nada. Eu nasci em casa de barro, com luz de candeeiro. E até 2017, a gente estava sem energia dentro da nossa comunidade. Todas essas vitórias, para a gente são muito grandes. Pode ser pequena para alguém, mas para nós é grande”, disse Olinda Oliveira, que também é quilombola e pescadora.
Longa disputa
Em meio à batalha judicial e entre tentativas de desapropriação, no ano de 2009, os quilombolas pediram uma intervenção do Ministério Público Federal (MPF) para provar que eles são remanescentes de escravizados e, portanto, tinham o direito de posse das terras.
A situação se arrastou por mais três anos e, só em julho de 2012, o Incra classificou a terra do Rio dos Macacos como uma área quilombola. Um relatório técnico foi emitido constatando que a comunidade era centenária e estava no local antes da chegada da Marinha.
O próximo passo seria o reconhecimento das terras pelo próprio Incra e o pedido de certificação da Fundação Cultural Palmares, mas a Marinha entrou com processo judicial e pediu a desocupação do quilombo, dias depois do relatório e a classificação do Incra.
O pedido foi acatado pela Justiça, em agosto de 2012, que determinou que 46 famílias quilombolas saíssem do local, sob pena de retirada compulsória. No mesmo período, a União fez uma proposta para que o Quilombo Rio dos Macacos mudasse de lugar, o que não foi para frente. Na época, o então ministro da Defesa, José Genoíno, disse que “O Brasil não vai abrir mão da Base Naval de Aratu”,
Já em 2014, o Incra fez a delimitação das terras dos quilombolas, mas somente três anos após emitir o relatório técnico de que a comunidade era centenária, o instituto reconheceu que a área ocupada era um quilombo. Desde então, os moradores passaram a aguardar a assinatura de titulação das próprias terras.
Violência
Por muitos anos, os quilombolas do Rio dos Macacos denunciaram ações violentas por parte de militares da Marinha, como invasões a residências e agressões, agressões. Em algumas delas, militares chegaram a ser afastados por causa de ações truculentas contra moradores.
Em nota, a Marinha informou que a missão constitucional dela está relacionada com a defesa do país e de sua população e que, por isso, não compactua com atos de opressão e violência, prezando sempre pelo cumprimento às leis. Ainda segundo a Marinha, as denúncias de ações violentas registradas, “tanto partindo de militares de serviço quanto de moradores da comunidade, tiveram o devido encaminhamento legal, por meio de Inquéritos Policiais Militares, os quais foram encaminhados à Justiça Militar para acompanhamento pelo Ministério Público Militar e demais órgãos competentes, adoção das devidas providências e, caso comprovadas as faltas, aplicação das sanções legais”.
O acesso dos quilombolas ao território era controlado pela Marinha, que muitas vezes impedia que visitas chegassem no local, como o Bando de Teatro Olodum, que já foi barrado na entrada. Muitos moradores também relataram agressões nesse acesso à área. Uma delas foi registrada por câmeras de segurança em 2014, quando duas pessoas foram agredidas pelos militares.
Em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) esteve no quilombo para observar a situação de garantia dos direitos humanos da população no local. Na época, o G1 tentou acompanhar a visitação no local, mas o acesso da imprensa não foi autorizado pela Marinha.
Ainda em nota, a Marinha afirma que o principal acesso à comunidade Rio dos Macacos é feito pelo portão da Vila Naval da Barragem (VNB), “terreno da União sob administração da Marinha, área que, por ser militar, tem acesso restrito e controlado, cabendo à Marinha a obrigação legal de zelar pela sua segurança”.
A corporação ainda destaca que “o principal acesso à comunidade ainda é feito pela VNB, em virtude da resistência de representantes da comunidade à continuidade das obras da construção de vias de acesso independentes e de um muro ao redor da área da Marinha, devidamente autorizadas judicialmente”. Informações do G1.